NOS TEMPOS DO TWIST E HULLY-GULLY

NOS TEMPOS DO TWIST E HULLY-GULLY

Este conto deveria ser escrito em inglês, afinal se passa numa cidadezinha americana e seus personagens se chamam Mary Khrys e Roger... mas dá muito trabalho e nem o leitor e nem eu conhecem o idioma tanto assim. Portanto, vai em Português mesmo !

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Maria Christina saiu serelepe do Cinema, matinèe dominical narrando as peripécias de um casal de guris, cena comum nos filmes em technicollor daquela época, anos 40 ainda, das Big Orchestras, o Rock'n Roll nem despontara. A sisuda jovem mãe seguiu logo atrás e um menino mulato careca "nos seus calcanhares". A mãe notara que a menina mal vira a fita, boa parte do filme com a cabeça virada para os fundos da sala de exibição, para uma cadeira qualquer às suas costa. Agora, suas suspeitas se confirmavam... a garota faceira flertava com um "creoulle", um "brownny", "neguinho" se fosse no Brasil, país do qual nem se falava.

O itinerário era o mesmo sempre: ir à sorveteria mais chique do bairro logo depois, com longa escadaria de 8 ou 10 degraus. Khrys subiu às pressas, de 2 em 2, fazendo a saia plissada de tecido xadrez balançar perigosamente. O garoto impertinente chegara antes à entrada da loja e inclinava-se para ver o que havia por debaixo da anágua da meninota loira de olhos azuis, um anjo.

-- "Era só o que me faltava" !, pensou a mãe zelosa, decidida a "tirar a limpo" aquela estória sem estragar o domingo da filha única idolatrada... e nem o seu !

-- "Quem é aquela menino na frente da escadaria" ?! sondou, ambas saboreando sorvetes, ela uma "banana split" e a mãe um "milkshake" tradicional, feito com Toddy, chocolate em pó. Tudo isso viria para o Brasil, exportados (ou importados. dá no mesmo): os carros do tipo hipopótamo, preferidos pelos gângsters dos filmes p/b da época, a Moda, música, danças de salão, orquestras, exceto o Racismo, pois este o Brasil já tinha a mais de 300 anos. Na classe média e entre barões e abastados, miscigenação... nem em sonhos era admitida ! Responde a garota, feliz:

-- "Ah, é o Rogério, um colega lá da escola. É meu namorado" !

O mundo veio abaixo, auilo era um pesadelo, a mãe nem sabia que haviam crianças negras naquela Escola de elite. Como isso era possível ? Mas Roger era filho de jogador de rugbi, famoso o suficiente para conseguir "furar o padrão branco" que vigorava em meia Nação.

-- "Mas, minha filha, êle é negro e você nem tem idade para namorar ainda ! Deixe seu pai saber disso" !

-- "E daí, mammy ? É só um namorico... todas as minhas amigas têm um "love" e o pai dele é muito famoso" !

-- "Ainda bem que teu pai está viajando... êle te botaria num colégio interno e era bem capaz de matar o menino" !

A garota olhou assustada para a mãe, acreditou que exagerava somente para intimidá-la, a fim de que desistisse de sua aventura infantil. Ignorava o Mundo hostil fora das paredes de sua mansão, com lugares no fundo dos ônibus só para negros, banheiros e bebedouros separados e todo tipo de humilhação. O Roger não passara por nada daquilo no colégio, eram todos muito crianças, não tinham assimilado ainda a crueldade que que se impunha no Mundo "lá de fora".

A mãe decidiu tirar a jovem da Escola por uns dias, até o marido chegar, era preciso "dar um basta" naquele iminente desastre, desgraça. Alegaria resfriado ou coisa parecida... enquanto isso Mary Khrys ficaria uns dias com a tia -- em cidade próxima -- até encontrarem a solução definitiva paea o terível problema. Deixando o milkshake pela metade, apressou a filha... encontraram o garoto sorridente, brilho nos olhos, de plantão na calçada. A mãe "fuzilou-o" com um olhar gelado cheio de desprezo, que o menino percebeu sem entender ! Entenderia, adiante...

"NATO" AZEVEDO (em 30/nov. 2021, 4hs)