O Piano - BVIW
A infância da menina desta história transcorreu nos anos 1920. Era de família italiana radicada no Brás, em São Paulo, Capital. Infância comum, corriqueira, de brincadeiras com os três irmãos, escola, alguns tostões ganhos aos domingos, para comprar balas.
Isto é, alguns percalços se apresentaram para quebrar a monotonia. Como as Revoluções de 1924 e 1930. Nessas ocasiões, a família arrumava as trouxas e ia para o casarão do avô, na “longínqua” Santo Amaro; ou para a chácara de uma tia, bem afastada do centro da cidade. Os bondes ali não chegavam, tinham que ir de carroça. A chácara ficava num morro e as crianças, quando conversavam entre si, nunca chamavam a tia pelo nome, mas de “tia do morro”.
O acontecimento mais marcante, no entanto, foi um tanto trágico.
Quando a menina estava com nove anos, os pais resolveram comprar um piano, para os filhos estudarem. A mais entusiasmada entre os irmãos, era essa menina, personagem da história. Todos os dias, ia atrás de comprar o jornal, na esperança de encontrar um anúncio de pianos disponíveis. Uma dia, toda faceira com seus tamanquinhos, que adorava, partiu em sua missão. Eis que um dos saltos do tamanco ficou preso nos trilhos do bonde, ela caiu e acabou sendo atropelada por um caminhão. Custou-lhe uma perna quebrada, que recebeu placa de metal e pinos, transformando-se com o tempo em excelente instrumento meteorológico de previsão de chuvas.
Trata-se, porém, de uma história com final feliz. Criança recuperada, encontraram finalmente o tão sonhado piano, que acabara de chegar da Alemanha. E, com o acordo dos irmãos, embora partilhado, o piano passou a ser da menina, e com ela ficou até o fim de sua vida.
Suas filhas também estudaram nesse piano, e nunca tiveram permissão para usar tamancos...
Lu Narbot
Tema: A Infância da Mãe (Conto)