Meu Carro é Vermelho...
05.11.21
372
Minha irmã e a sua filha mais velha, vieram passar o feriado de Finados conosco aqui em Florianópolis. Perdemos a nossa mãe faz dois meses e ela ainda esta bem abalada e sensível. Precisava mudar de ares, pois a cuidou até o dia da sua morte. Ela nunca tinha vindo aqui até então.
Minha sobrinha, casada e com filho único adolescente, e tenista ( fora com o pai para a Bolívia disputar um torneio sul-americano na semana do feriado) não iria desta vez acompanhá-los, dando a oportunidade para trazer a sua mãe como companhia. A justificativa, de rever o orientador da sua tese de doutorado que mora aqui e há muito não o encontrava, como motivo para a sua vinda. Ela já conhecia a ilha.
Passamos, eu e minha mulher, os dias do feriado prolongado mostrando à minha irmã a ilha de Santa Catarina, com algumas das suas praias, locais interessantes e sua comida manézinha. Ela ficou extasiada com tanta beleza e diversidade.
Voltariam na manhã da quarta feira pós-feriado, de avião, pois minha sobrinha tinha que trabalhar. Iríamos ao aeroporto com muita antecedência – o voo era no meio da manhã, às dez horas, pois o transito até lá, pela distância - quase cinquenta quilômetros, e a volta de feriadão, seria pesado com certeza.
Saímos cedinho no dia da volta em direção ao aeroporto no sul da ilha, minha casa fica em praia ao norte. Eu dirigia o carro com minha irmã no banco ao meu lado. Minha sobrinha e minha mulher no de trás.
Íamos conversando, elas felizes e agradecidas pelo tempo ter melhorado, pois chovera muito até o sábado anterior ao feriado, melhorando depois. Puderam ir a nossa praia e ficaram maravilhadas, pois é muito bela, protegida por enormes dunas que limitam o seu acesso, onde é proibido construir – é uma reserva ambiental, de areia fofa e aveludada e mar de agua fria e refrescante. Um paraíso.
Então, na estrada, vi a minha frente um carro vermelho, e comecei a cantar:
- Meu carro é vermelho, não uso espelho pra me penteaaarr... Botinha sem meia, e só na areia eu sei trabalhar... – animando a viagem.
Cantando, percebi que vários outros carros vermelhos nos acompanhavam, até uma moto, o que chamou mais a minha atenção, pois não era comum ver tantos desta cor. Será que a musica os chamou?
De imediato, veio à lembrança da época da faculdade, e comecei a contar a história desta musica para elas:
- A cantávamos em coro no boteco da faculdade toda vez que chegava um “buggy” vermelho sangue estacionando sobre a calçada do bar. O motorista era magrinho, baixinho e franzino, cabelos encaracolados e barba.
-Que peça hein tio – comentou minha sobrinha.
-Pois é, e o apelidamos de De-gona!
-Mas que apelido esquisito? – fala minha irmã.
-E foi assim que demos esse nome a ele:
Estávamos na nossa mesa cativa tomando a cerveja de fim de noite, depois do termino das aulas às vinte e duas horas, quando chega esse buggy vermelho barulhento e estaciona bem a nossa frente sobre a calçada. Começamos a bater palmas e o rapaz desceu agradecendo os aplausos, vindo a nossa mesa totalmente à vontade.
-Era da sua turma? – pergunta a sobrinha.
Não, era das Artes Plásticas, não o conhecíamos, mas tudo bem, se sentou conosco e começou a conversar alegre e falante, como um de nós, engenheiros. Dávamos corda a ele, que falava desenfreadamente. Em dado momento, disse pomposamente:
-Sabe que eu já peguei mais dez gonorreias?
Entreolhamo-nos atônitos pela mentira descarada dele, pois alguém que tenha contraído tantas vezes essa doença venérea, tão jovem – tínhamos vinte anos não mais, não estaria vivo.
-Estaria sifilítico no mínimo – comenta a sobrinha, que é veterinária.
- É mesmo? Então transou com mais de dez? - pergunta jocosamente um dos nossos na mesa ao “buguista”. Ele não perdeu o rebolado e respondeu com a maior cara de pau:
-Dez? Mais de cem!
A risada foi imediata e estrondosa de todos na mesa, inclusive ele junto, pois era claro que a mentira não se sustentava, mas era boa a brincadeira, pela total falta de vergonha dele. No meio das gargalhadas, um de nós gritou: Viva o De-gona – mistura de De, de dez, com gona - de gonorreia. Vivaaaaa o De-gonaaaaa , respondemos. Assim ficou ele com esse apelido, De - gona.
-Mas que historia maluca hein? – diz minha irmã.
E tem mais. Assim que ele foi para o carro, começamos a cantar “o meu carro é vermelho”, e ao sair com seu buggy em velocidade, todos em coro gritávamos: De-gonaaaa, De-gonaaaa. Toda a vez que ele estacionava o seu bólido vermelho naquele lugar, cantávamos essa musica. Às vezes, todo o bar fazia coro, com gente batucando na mesa, nas garrafas e nos pratos, num verdadeiro carnaval. Era muito engraçado. Uma farra.
Seguimos a viagem, e mais carros vermelhos surgiram. Uma Mercedes sanguínea nos acompanhou quase até lá, fazendo com que a minha sobrinha dissesse brincalhona:
-Esse é o De-gona milionário! – provocando nosso riso.
Bons tempos...