DIA DE FINADOS.
Dia de finados, dois de novembro. Uma terça feira chuvosa que deixava o feriado preguiçoso e modorrento. Carla olhou para a foto da falecida mãe, no porta retrato sobre o aparador do apartamento. -"Eh, dona Zuca. Que saudades." O gato no canto do sofá. -"Dois anos sem a mamãe. Parece que foi ontem." O vento sacudiu a cortina. -"Preguiça de ir a padaria. Dia de trabalho dá vontade de dormir até tarde, feriado a gente acorda cedo." Ligou a tevê. As reportagens sobre finados. Uma repórter entrevistava as pessoas na porta do cemitério da cidade. Uma senhora reclamava do preço do vaso de crisântemo, um senhor se queixando do valor da melancia. Mudou de canal. Ana Maria Braga entrevistava o padre Fábio de Mello, falando sobre finados. Outro canal. O repórter mostrava os túmulos de famosos: Ayrton Senna, a marquesa de Santos amante de dom Pedro primeiro, sepultura de alguns integrantes dos Mamonas Assassinas, do soldado desconhecido, do cantor sertanejo João Paulo e outros. As estátuas lindas de anjos em alguns mausoléus. Um senhor reclamava do roubo de uma placa de bronze do túmulo de seu pai. Ela desligou a tevê e quis ouvir um forró. -"Filha, não se ouve música nem se faz festa em finados. Respeite os mortos." Parecia ouvir a voz da mãe lhe repreendendo na infância. -"Melhor não ligar o rádio." Pensou. Colocou a roupa na máquina de lavar. Olhou as mensagens do grupo de família do Whatsapp. As postagens do Face. -"Saudades de comer o bolinho de chuva da mamãe. Dona Zuca era cozinheira de mão cheia, tinha o sonho de abrir um restaurante, coitada!" " Nunca se interessou em aprender a fazer bolinho de chuva, sequer ajudava a mãe na cozinha. Se contentou com um café solúvel e meio pacote de bolacha recheada. A chuva parou. -"Vou ao cemitério." Quase desistiu ao ver o valor da viagem de Uber até o cemitério. Chegando lá, quase caiu pra trás ao ver o preço do maço de velas e do vaso de crisântemo. -"Pouco movimento devido a pandemia." Resolveu colocar a máscara antes de entrar. O vidro de álcool gel na bolsa. Os óculos escuros. O cruzeiro com as velas queimado. Algumas pessoas lavando os túmulos dos entes queridos. Túmulos antigos sem nenhuma flor. Túmulos recentes com várias corôas floridas. Os grandes e luxuosos jazigos, de famílias abastadas, com mármore, jardim, capela e cercado. Enfim, o túmulo da mãe. A foto. A imagem de Nossa Senhora Aparecida. A cruz. Ela rezava quando viu um casal se aproximando. -"Primo Gilberto?!Ester!" Ela os abraçou. -"Viemos ver a tia." Disse Geraldo. Por um tempo, Geraldo e Ester falaram maravilhas sobre a mãe de Carla. Surpresa, pois sempre achava que a família não ligava muito pra sua mãe muito menos pra ela, Carla sentiu orgulho de sua progenitora. -"A tia era como uma mãe pra mim. Uma guerreira." Concluiu Geraldo, emocionado. Carla aceitou a carona dos primos. -"Vamos passar em casa, pode ser?!" Geraldo insistiu e Carla almoçou com os primos. Elogiou o filé a parmegiana da prima. -"Cozinha muito bem, Ester. Deveria abrir um restaurante!" Geraldo ficou quieto e olhou pra esposa. -"Pensamos nisso mas falta tempo, quer dizer, verba. Meu bar faliu, devido a pandemia do Covid e aluguei o salão." Ester interrompeu o marido. -"O lugar é bom, há muitas empresas perto." O papo enveredou por outros assuntos. Geraldo levou Carla pra casa. Há quanto tempo ela não ia a casa dos parentes, se mantendo distante! A tarde, no apartamento, a chuva recomeçou. Carla pegou a receita de bolinho de chuva na internet. -"Não ficou muito bom nem igual ao da mamãe mas dá pra comer." O apartamento com cheiro de fumaça. Ela jogou um bolinho para o gato mas o bichano rejeitou. Carla trabalhava numa área que não era a sua, devido a pandemia. Dispensada do escritório de contabilidade, onde pensava ser fundamental por seu trabalho excelente e produtivo, ela se virava como caixa de um pequeno supermercado. A rotina, os horários, as dores nos ombros devido ao peso das mercadorias, os clientes chatos e mau humorados estavam acabando com sua ela. No dia seguinte, Carla decidiu ligar para o primo. -" Oi, primo. Estou indo pra sua casa!" Carla sentou-se com Geraldo e Ester. A conversa durou horas. Carla tinha resolvido vender seu apartamento pra investir num restaurante com Geraldo e Ester. -"Pra mim está perfeito. Grandes empresas surgiram em tempos de crise. Ester sempre quis ser chefe de cozinha!" Disse Geraldo, entusiasmado. Carla iria morar com os primos, até as coisas melhorarem. -"Eu cuidarei da contabilidade, podem ficar tranquilos. Vai dar certo, com certeza. Ainda nem pensamos num nome para o restaurante!" Geraldo e Ester falaram juntos. -"Dona Zuca!" Carla abriu um sorriso. -"Perfeito. Uma bela homenagem. Já estou até vendo a foto dela na parede do restaurante, com o lenço na cabeça! Tenho certeza que ela está feliz, em outro plano. Vida que segue." FIM