Gosto de me sentar ao lado do túmulo dos meus pais. Coloco a minha cadeira de praia, que trago sempre no porta-malas do carro, ali entre as sepulturas e, fico jogando conversa fora. Não que eu ache que eles estão presos ao cárcere dos corpos, eu creio que não estão. Mas imagino — eu sou muito imaginativa — que eles estão lá comigo, andando por ali, olhando os pássaros e seus rasantes sobre as tumbas. Começo entoando uma reza, daquelas que minha mãe gostava. Depois canto um louvor: “Porque Ele vive, eu posso crer no amanhã...” Em seguida, fico em silêncio fruindo as lembranças dos tantos momentos felizes que tivemos juntos. Gosto de cemitérios. Gosto da tranquilidade dos cemitérios fora do Dia de Finados, nos dias comuns, no meio da semana, no fim da tarde. É um lugar ótimo para ler. Levo meus livros e leio em voz alta porque tenho a sensação de que leio para alguém. Às vezes, leio em silêncio um capítulo inteiro. Só paro quando um som de corrupio ecoa mais alto que minha concentração. Há um sepulcro com duas cadeiras de ferro fincadas embaixo de uma linda árvore. Quando sento em uma delas para ler, imagino que a outra também está ocupada. Outro dia descobri que o renomado cabeleireiro Cloves Nunes é vizinho dos meus pais, não no Lago Sul, porque meus pais sempre viveram em Taguatinga. Agora eles são vizinhos de sarcófagos. Na lápide dele estava escrito: “...coordenador do miss Brasília...” achei tão pesado ter que carregar o Lattes para a catacumba. Mas o povo não entende que do lado de lá não se pode dar carteirada. Fica aqui o meu apelo póstumo: na minha lápide quero escrito — Aqui jaz a pombinha da paz.

Adelaide Paula

Taguatinga, 01 de novembro de 2021

 

Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 01/11/2021
Reeditado em 01/11/2021
Código do texto: T7376476
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.