DEPENDÊNCIA, A MAIOR DAS PRISÕES

JOEL MARINHO

Dorinha fora o apelido carinhoso dado por Arthur a Dora há exatos vinte e cinco anos quando eles começaram a namorar. De início era só amor, ele gentil e carinhoso mais parecia um príncipe encantado dos contos de fadas e tinha tudo para se tornar um final feliz.

Em cerca de seis meses eles resolveram noivar, foi uma enorme festa à família e uma alegria imensa a Dora que sonhara desde criança a se casar vestida de branco bem ao estilo do início do século vinte. A cerimônia de casamento foi uma das mais belas da região e aconteceu na frente de centenas de convidados regado a muitas bebidas e acompanhado de diversos tipos de comidas.

No primeiro ano de casados fora só amor, ela dedicou todos os momentos a cuidar de Arthur, abandonou o curso de Fisioterapia, outro grande sonho de adolescente, pois essa foi uma das primeiras exigências dele, como o mesmo dizia, quero uma mulher só minha e eu darei a ela tudo aquilo que precisar, cuidarei para sempre para nada lhe faltar.

Assim Dora começou a sua vida de casada tão próximo aos contos de fadas que levantava inveja de todas as meninas as quais também sonhavam com um “príncipe” igualmente Arthur.

Veio o segundo ano e o primeiro filho, os amigos e amigas de Dora foram sendo “esquecidos”, esse fora o segundo pedido de Arthur, aos poucos ele a convenceu que mulher casada e mãe de família não poderia ter amigos, principalmente homens. Aos poucos até os parentes de Dora foram sendo “esquecidos” por ela e cada ano nascia mais um filho para sua responsabilidade ser aumentada, ao todo nasceram oito filhos, sendo um aborto espontâneo.

Do segundo filho em diante Dora já não era mais a mesma de outrora, com os afazeres de casa que sempre fazia sozinha deixou de lado a vaidade e Arthur passou a ter diversos relacionamentos fora do casamento. No início Dora passou a questionar e a ter brigas constantes, mas Arthur sempre com um jeitinho cretino de ser acabava o convencendo que aquilo só acontecia porque ele era um homem compulsivo por sexo e ela não estava mais acompanhando o ritmo dele, ela dizia que era por conta de tantos afazeres e ele respondia que também trabalhava pesado e nem por isso negava “fogo”.

Do mais para ser mais enfático ele que se dizia um grande seguidor de Jesus Cristo buscava versículo bíblico para justificar os seus erros. Sempre utilizava esse versículo bíblico: “Ora, assim como a Igreja é submissa a Cristo, assim também o sejam em tudo as mulheres a seus maridos”, passagem contida em Efésios 5:24. Evidentemente que ele não lia a ela o antes e o depois desse versículo.

Com o tempo Dora se conformou com o seu sofrimento. Bem, até certo ponto. Na verdade ela fora acumulando as angústias ao longo de cerca de 20 anos desde quando o seu “conto de fadas” se tornou o castelo cercado e vigiado por “dragões” que cuspiam fogo e não o deixavam mais nem olhar para o mundo lá fora, só lhe restava pedir a “Deus” que um dia o libertasse daquele calvário sem fim.

Com o tempo a dor se tornara insuportável, Arthur já não escondia mais os seus relacionamentos, inclusive algumas vezes levando para casa algumas dessas mulheres com quem se relacionava.

Dora queria gritar, mas tudo era vigiado, às vezes nem tanto pelo marido, mas pela força que exercia sobre si o peso do maldito pecado. Amigos? Parentes? Perdera todo e qualquer vínculo, era totalmente dependente de Arthur em todos os sentidos.

Por vezes passava por sua cabeça a idealização da morte. Seria mais fácil morrer do que continuar a viver “morta”. A idealização tocava na existência do pecado, morrer seria abismo total, queda livre ao inferno. Chorava, relutava e era chamada de doida e descontrolada por Arthur.

Pensava em fugir, mas como viver lá fora? Quem além de Arthur poderia aturar as suas rabugices, pensava ela? Beco sem saída, fim de linha, era aquilo mesmo, tinha que aceitar.

Naquele momento ela só tinha quarenta e cinco anos, mas por conta de todo o seu sofrimento, angustia e dor aparentava ter sessenta anos.

Arthur perdeu total respeito quando tinham quinze anos de casados, a última coisa que ainda faltava era ele bater em Dora, enfim as agressões verbais e psicológicas se tornaram físicas e ele acostumou a bater-lhe por qualquer motivo bobo, certa vez quebrando um osso de sua mandíbula com um soco.

Naquela noite Dora foi dormir chateada, seu marido Arthur saíra cedo e não apareceu para dormir em casa, pois certamente estava com uma de suas amantes.

Dora abriu a janela e viu as estrelas, deitou no chão gelado e ficou por um tempo chorando e olhando para o céu, tanto espaço e ela sem asas para voar presa em sua gaiola de sofrimento. Parou de chorar. O vento gelado bateu-lhe a face e ela adormeceu com um leve sorriso no rosto e olhar fixo em uma única estrela que parecia sorrir a ela como que um afago a alma sofredora.

Ao amanhecer os filhos estranharam a sua ausência, pois era sempre a primeira a se levantar e fazer o café, entretanto, naquele dia o café foi cancelado, Dora estava “livre”, seu corpo gelado, esticado e duro ali no chão trazia um meio sorriso de quem dormiu sonhando com a liberdade, talvez o tenha encontrado, talvez, isso fica para a sua imaginação, nobre leitor.