Passei no Teste
27.10.21
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Aconteceu em um domingo em que estávamos em Porto Alegre para ver a nossa neta, filha da minha enteada.
Fui incumbido de fazer um churrasco para três irmãs gaúchas, sendo uma delas a minha mulher. Fiquei preocupado, pois, um paulistano preparar o prato típico do sul do país, o afamado churrasco, não era para menos. Combinamos o churrasco na casa de uma das irmãs.
Iria o filho de uma delas para ajudar, o que me deixou mais tranquilo. Antes, passei no supermercado, perto do apartamento da minha mulher, para procurar uma boa carne, queria um “entrecot” uruguaio, pois a carne seria fundamental para o sucesso do churrasco. Não o encontrei, mas havia outro corte que me pareceu bom. Estava rosado, marmorizado e com pouca gordura. Custava caro, mas valeria a pena.
No domingo, na casa da anfitriã, após os cumprimentos de chegada, vendo que era somente eu de homem na casa, perguntei:
- E o churrasqueiro?
- Ele não virá, tem outro programa – respondeu a mãe.
- Então vão ter que comer churrasco de paulista, tchê! – digo na brincadeira.
Fui ver a churrasqueira de tijolos refratários que ficava em área coberta nos fundos da casa. Dentro dela encontrei papel velho, folhetos de propaganda e papelão que deveria queimar. Estranhei, joguei tudo no lixo, mas nada comentei.
- Cadê o carvão? – perguntei à dona da casa.
- Acho que acabou, vamos buscar. Acende o fogo com lenha, está ali naquele canto - disse-me a irmã anfitriã, apontando uma pilha de tocos e lascas de madeira empilhadas junto a uma parede longe da churrasqueira e ao relento.
Comecei a mexer nos armários embaixo da pia e achei um saco de carvão pela metade, dizendo a elas que não precisavam comprar. Iam ao mercado, comprar carne, pois acharam pouco a peça de carne que eu trouxera. Estávamos em cinco: eu e minha mulher, as duas irmãs e uma senhora idosa que estava de visita. As duas irmãs saíram, ficando eu para acender o fogo. Minha mulher e a senhorinha conversavam.
Peguei a lenha no monte, algumas lascas de madeira seca e montei a “cabaninha” de tocos de madeira na churrasqueira, colocando no centro, um pedaço de carvão embebido no álcool, espalhando também um copo cheio dele por sobre as madeiras. Risquei o fósforo, deu aquele estouro característico liberando uma enorme labareda azul.
Enquanto a madeira crepitava na churrasqueira achei dois espetos e uma grelha metálica de abrir. Transpassei o “entrecot” salpicado de sal grosso no espeto, deixando-o a espera das brasas que surgiriam. Fui colocando o carvão para tanto.
As irmãs chegaram com as compras: linguiça, que no sul chamam de salsichão, uma costela de porco e pão de alho.
- Churrasco não pode ter fogo! – diz a irmã mãe do ajudante faltante vendo o fogo forte que a madeira produzia, falando de forma autoritária e questionando a minha capacidade de fazer churrasco. Detalhe: são de origem alemã.
- Calma, logo vira brasa – respondo incomodado.
O fogo ia diminuindo à medida que colocava os pedaços de carvão, até extinguir as chamas, ficando só o chiar das brasas incandescentes embranquecendo o carvão e produzindo um calor abrasador. Perfeito!
Coloquei na grelha os salsichões e os pães de alho, que rapidamente quase queimaram, começando então o churrasco de fato. Pus o espeto com a carne especial alto do braseiro, para ir cozendo vagarosamente, enquanto as linguiças e os pães de alhos eram comidos por elas. Vendo devorarem com avidez a linguiça, ou melhor, o salsichão e o pão, brinquei:
- Paulista chama isso de entulho. Serve-se antes e deixa-se o melhor para depois, quando já se está satisfeito.
Haviam feito também uma panela de arroz e maionese de batata à moda alemã, muito gostosa, para acompanhar.
- Vai falando aí, mas quero ver a carne de paulista, hein! – diz séria a irmã, mãe do filho que me deixou na mão.
A costela de porco assava também, coloquei-a baixo na churrasqueira, pois elas gostam das carnes bem passadas. A gordura caía nas brasas acendendo pequenas fagulhas de fogo que não se sustentavam. O braseiro seguia firme e quente.
O “entrecot” começou a pingar também. Retirei-o do espeto e fatiei a peça em bifes da largura de um dedo e os coloquei na grelha, um pouco mais perto do fogo para assá-los mais rápido. O calor na churrasqueira estava insuportável.
- Ah! Assim sim, está se saindo muito bem! Quero agora comer a sua carne – diz uma das irmãs para mim, animada.
Os bifes chegaram ao ponto que gostavam: sem sangue, ou seja, bem passados. Nunca vi gaúcho gostar de carne bem passada, elas foram as primeiras que conheci com esse gosto.
As servi com os bifes macios e bonitos e aguardei os comentários, ansioso. Ouvia-se somente o som dos talheres cortando a carne. Mastigavam devagar e quietas. Eu as observava.
- Está muito bom o seu assado! Parabéns, esse churrasco de paulista está muito bom! – diz a irmã anfitriã.
- Foi o melhor churrasco que já comi até hoje! – fala a irmã (mãe do filho churrasqueiro que não veio) deixando-me espantado.
- Você está brincando? – pergunto a ela.
- Não estou não. Churrasco de gaúcho é só costela, maminha e granito. Carne como essa que trouxe, de sabor diferente e delicioso, macia e no ponto, inclusive de sal, é incomum. Está perfeito!
- Nossa, que bom! Passei no teste, então?
- Sim. Agora você vai fazer o churrasco para nós quando estiver em Porto Alegre. Churrasco de paulista é muito melhor que de gaúcho.
- Mas bah, tchê, que alegria! – falei todo contente.