Ana

Somos seres ordinários que vivemos vidas ordinárias. Não se ofendam, por favor! Digo o ordinário sinonimizado com o banal, o comum; antônimo de extraordinário, excepcional, colossal. Bem, assim é Ana, nossa protagonista da vez.

Então, o que Ana tem de especial afinal? Se ela é comum, como tantas outras Anas? Deves estar a pensar, meu leitor perspicaz. Respondo-te com toda convicção que Ana é especial justamente por ser comum, simples, e é nessa simplicidade que reside a melhor característica dessa personagem.

Ela é trabalhadora e isso não é uma qualidade, é antes mais necessidade, pois Ela sonha, sonha muito com muito pouco. Estranho trocadilho, mas é a mais pura essência da vida comum. Sonhamos com nossa formatura, nosso trabalho, nossa família, nossa casa e quem sabe um carrinho usado para passear aos finais de semana com os filhos, que häo de vir, se Deus quiser! Era bom que todos esses sonhos se realizassem nessa cronologia, mas sabemos que muitas vezes as ordens são trocadas; alguns sonhos são deixados para trás, outros são jogados muito mais para frente, e outros são mesmo esquecidos, abandonados. Ana é assim, tem todos esses sonhos e alguns são coloridos; sim, ela se dá ao luxo de sonhar colorido! Aos seus vinte e sete anos, divide seu tempo entre trabalho e faculdade; divide é maneira de falar, pois os dois mundos já estão há muito misturados e Ela tem que gerir cada minuto do seu dia para mantê-los harmoniosamente equilibrados, o que faz com grande habilidade e ainda consegue uns segundos para pôr seus sonhos em dia. Vou contar a vocês, sem que Ela saiba, um pouco desses sonhos. Com a Ana, desculpo-me depois.

Ana sonha em terminar a faculdade de enfermagem e conseguir um trabalho em um hospital público, onde Ela poderá ajudar as pessoas que sofrem tanto; Ela também sonha em casar e ter três filhas gêmeas, sim trigêmeas. Eu disse que Ela sonha colorido! Parece que um dos sonhos já começa a ganhar alguma massa corpórea de realidade. Há um colega de faculdade com quem Ana, além dos conhecimentos sobre enfermagem, também troca olhares e algumas carícias. Ela não vai gostar nada de saber que falei disso, Ela é um tanto tímida e reservada com a vida pessoal, no que está muito certa!

Mas de todos os sonhos de Ana, no seu íntimo, Ela sabe que um vai ser o mais difícil, senão impossível de se realizar; e não estou a falar das trigêmeas não! É mesmo a casinha de varandas e com quintal. Lembra que eu disse que Ela sonha colorido, pois é; a casinha dos sonhos de Ana existe de verdade, é real e concreta, com morada e código postal. Mesmo que Ela e o futuro marido consigam os seus melhores empregos não daria para comprar essa casa, a casa dos sonhos de Ana. E não adianta dizer que ela pode comprar outra, é com essa que Ela sonha… Nem pensem que a casa é um palácio ou que seria caríssima, ela simplesmente não está à venda. Vive com as portas e janelas fechadas, claramente desabitada, a implorar por alguém que a cuide com carinho, alguém que realce a sua beleza, que enfeite a sua varanda e cuide do seu jardim, mas não há ninguém. E assim está ela, há muitos desprezada. A jovem sonhadora passa todos os dias em frente a esta casinha sem nunca deixar de olhá-la com olhos amorosos. Há uma intimidade entre as duas, elas conversam entre si de uma forma que nem eu sei explicar. Não há dúvidas de que elas já se pertencem uma à outra, mas como concretizar essa paixão tresloucada, esse casamento onírico? Para já, não encontramos resposta. Então, Ana segue seu caminho e leva essa questão na mente e esse sonho no coração.