Corredor

 

            Estava no corredor que antecede a sala de cirurgia. Deitado em uma maca, com aquele horrível camisolão azul que deixa o traseiro a descoberto. Olhava para uma irritante lâmpada fosforescente que piscava intermitentemente, além de emitir um irritante zumbido.

            Parecia que todos que passavam me ignoravam. Gente de jaleco branco, formigas apressadas. Onde o médico? A enfermeira chegara cedo e me preparara. Certificara-se do meu jejum. Disse, com os dentes brancos à mostra, diante da face negra e simpática, que hoje era o meu dia. Fiquei pensando. Obviamente referia-se à cirurgia. Não pensaria ela em morte. Quem pensa nisso é paciente despreparado.

            O médico me dera todas as garantias. Explicara em minúcias o procedimento. Corte, raspa, ponto. Nada que alarmasse. Meu estado clínico era bom. Colesterol, triglicérides, plaquetas, pressão. Nenhum caso de alergia. 

            – Melhor extrair quando no início – foi o que disse.

            Depois seria só acompanhar para ver a evolução do quadro. Eu me transformaria em um objeto de estudo; como um rato em laboratório. Seria mesmo necessário operar? Queria o doutor apenas engrossar os seus fartos bolsos? Conversei com um médico conhecido da família. Forcei uma visita munido dos exames. Ele me recebeu em casa, meio contrafeito. Vestia um pijama na parte de baixo e a camisa do Flamengo por cima. Barba por fazer. Chinelo de dedo. Óculos com grossos aros, quadrados. Quem ainda usa uma armação como aquela? Convidou-me a sentar. Fiquei na ponta da poltrona. Estalava meus dedos. Ele se sentou em frente. Abriu o envelope. Leu. Pigarreou. Olhou–me discretamente. Coçou o cavanhaque.

            – Como está se sentindo?
            – Bem, respondi.

            – Melhor operar...

            Como resultado vim parar aqui, no corredor da sala de cirurgia – de repente me lembrei de uma música que a empregada escutava chorando, quando ainda menino. O resultado foi ruim. A amada do cantor morreu. Não quero virar tema para uma empregada chorar.

            E a família? Cadê você minha esposa querida? Disse que viria depois da cirurgia. Estava cansada. Filhos exigindo, trabalho sobrecarregando, contas que se acumulavam. Virou a chefa do lar por aqueles dias.

            Alguém se aproxima da minha maca. Lê a tabuleta.

            – Cadê o seu médico? – pergunta.

            Respondo abrindo as mãos e acenando com a cabeça e uma expressão facial.

            Era um homem gordo, careca e baixo. Demonstra nítida irritação.

            – Por que ninguém me avisa?

            Fiquei sem entender do que falava. Tentei relaxar e voltei minha atenção para a lâmpada. Acabei cochilando. Despertei com um solavanco e a maca entrando pelas portas da sala. O médico lá, vestindo máscara. Outras pessoas. Anestesista, enfermeiras.

            – Como se sente?

            – Bem.

            Fui apagando com a máscara no meu rosto. Vi um túnel, uma luz. Caminhei pelo mesmo. Cheguei a uma sala branca. Móveis de consultório. Uma enfermeira aproxima-se. 

            – Sente-se. Ordenou apontando uma cadeira. Leu um prontuário. 

            – Você chegou muito cedo. Vai ter que esperar. – saiu por uma porta deixando-me sozinho. A porta virou parede. Sem janelas. Não sei por onde entrei visto não haver nenhuma outra saída. Olhei para o alto. Vi uma lâmpada fosforescente piscando e emitindo aquele zumbido familiar...