O Anjo
Assustou-se com a presença de alguém que desconhecia à porta. Entretido com alguns papéis, o dono da empresa ergueu o olhar ao sentir que alguém insistentemente o encarava. Primeiro pensou ser fruto de sua imaginação, mas certificou-se que não, ao ouvir a voz da estranha.
– O senhor é o dono dessa empresa?
– Quem é a senhora?
– Estou a procura de um emprego!
– Sim, mas veio a sala errada. Você deve se dirigir à portaria e deixar um currículo. Se houver interesse nossa equipe entra em contato. Por favor, dirija-se à escada ao fim do corredor e desça até o térreo.
– Mas...eu já deixei meu currículo a mais de seis meses e ninguém me chamou.
– Então é porque não há vaga ou você não preenche os requisitos.
– Tem vaga sim senhor...assim de montão – juntou os dedos da mão para dar ênfase a sua fala.
– Ficamos com a segundo opção…
– Não senhor eu tenho muito vontade de trabalhar.
– E quais as suas qualificações?
– Bem sou bastante forte, tenho duas mãos que não rejeita trabalho algum.
– A senhora lida bem com informática.
– De jeito nenhum, nunca tive como fazer um curso e muito menos comprar qualquer desses aparelhos modernos por aí. Nem celular possuo. Tenho cinco bocas para alimentar.
– Bem, eu sinto muito, mas quem sabe em futuro próximo…
– Não tenho tempo para esperar...preciso urgente de um trabalho
– Bem o que eu posso fazer é lhe arrumar algum dinheiro para…
– Não, quero um emprego.
– Mas como lhe disse, você não tem qualificações para essa empresa.
Nesse instante, Ligia vai até a mesa do dono da empresa e se senta sem ser convidada.
– O senhor tente entender o meu lado.
– Na certa, entendo, só não tenho como empregá-la. Não sou eu que faço o recrutamento para a empresa. Conto com uma equipe que faz isso por mim.
– Mas o senhor é o dono.
– Sim, e a propósito como veio até minha sala?
– Entrei confiante, ninguém notou a minha presença.
– Fiquemos por aqui, deixe outro currículo e quem sabe dê mais sorte.
A mulher indignada pediu uma chance. Serviria qualquer função. Precisava mesmo colocar comida à mesa.
– Posso dar uma cesta básica para a senhora por seis meses. Isso a ajudaria a se manter até encontrar um emprego.
– Quero o emprego, garantiu a jovem senhora.
Dom olhou-a pela primeira vez de alto a baixo e notou simplicidade em seus trajes, mas viu o quanto era esmerada na limpeza. Seu vestido de aparência surrada era muito asseado, assim como os pés que se mostravam no velho par de sandálias.
– Quanto anos tem?
– Vinte nove!
– O que sabe fazer?
– Qualquer função pra mim fazer está bom!
– Mas seu português é horrível.
– Não se diz pra mim fazer e sim para eu fazer.
– Tudo bem, posso fazer algo que eu não tenha que falar com as pessoas.
Sentada e olhando para cima, vendo seu interlocutor passar as mãos na testa, fica apreensiva e deseja que de uma vez por todas ele a empregue.
Dom dirige a mesa e faz uma chamada. Após uma breve conversa com alguém, diz não dispor de nenhuma função para ela.
Lígia se levanta em prantos. Não foi suficientemente empenhada em conseguir o emprego. Mas resignou-se e num gesto de humildade e se desculpou pela intromissão.
Dom desejou-lhe boa sorte...até que recebendo uma chamada ao telefone, antes que ela saísse porta afora ficou com a aparência transtornada. Deixou cair o telefone à mesa. Por trás dos óculos deixou rolar as lágrimas em seus olhos. Lígia que já deixava a sala não pode deixar de se compadecer do homem a sua frente.
Sentiu um pesar profundo pelas lágrimas dele, e sem ousar perguntar o que ocorrera, segurou firme em suas mãos e disse em tom profundo e doce que estava ali para ajudá-lo no que fosse preciso.
E como que transportado para o passado, Dom viu naqueles olhos o mesmo brilho maternal que o acudia em seus pesadelos. Ninguém além de sua mãe lhe dera tanto afeto.
Lembrou de fases difíceis em alguns momentos da vida. Palavras vazias, sem conteúdo ou apenas frases feitas sem nenhum apoio sentimental.
Aquelas mãos e aquela voz infundiam nele o verdadeiro amor incondicional. Precisava sair, mas antes olhou a fundo nos olhos e lhe disse.
– O emprego é seu!