VOO LIVRE DAS GARÇAS AO CAIR DA TARDE
Por um lado, dá um trabalho danado. Labuta de arrumação, plantio e cuidados. Não é tarefa fácil. Os sonhos no sertão são maiores que as agruras das secas. Aguar plantação em tempos de estiagem, requer coragem, precisamos dissipar os medos. Depois vem o desfrute. Aí, é bom! É o que todo mundo vê. O antes, ninguém viu. Ter um pedaço de terra… precisa muito não. Uma ou meia tarefa já se faz o bastante. É muito bom. Não tem que ser de perder de vista, daquelas que mesmo se alongando a visão, não se chega ao fim. Basta um poquinho.
Mas na cidade, vez por outra eu via e ouvia, “leva pro sítio!”. Bastava não ter mais serventia, nem precisava ser velho ou acabado. Até o quadro da vó, bem enquadrado na moldura lustrada de jacarandá, também foi. Para o seu lugar chegou uma pintura moderna, colorida, até o nome acompanhava a tal modernidade - The Kiss. Foram, também, a mesa e as cadeiras. Olhando assim, não tinham defeitos, a não ser o tempo. Até o tapete já muito pisado e a vassoura velha de piaçava foram pra lá um dia, pro sítio.
No corre corre da cidade, o tempo passa. Passa rápido. Tão rápido que a gente nem sente. Talvez seja somente a nossa velocidade. Entretanto, já pressinto que um dia ouvirei dos filhos, dos parentes e da esposa: “Chegou o momento de você ir pro sítio”. Tenho certeza que não será o tempo da minha inutilidade. Existem tantos sonhos. E o luar? Adoro aquela gente. Ah! Talvez, nesse instante eu me torne um escritor, um poeta e ganhe novos sentidos. E o tempo em mim passará. Nem sentirei. Mas o corpo sentirá. Então, ouvirei… “Você precisa voltar pra cidade, é pra se cuidar e ficar mais perto do hospital”. Já terei criado tantas raizes que certamente não mais voltarei. Voarei em versos e contos pelo sertão. Estarei nos voos livres das garças ao final da tarde. E o tempo, calmo e implacável, continuará a passar.
(Imagem: "O poeta compositor" de Pablo Borges)
Mas na cidade, vez por outra eu via e ouvia, “leva pro sítio!”. Bastava não ter mais serventia, nem precisava ser velho ou acabado. Até o quadro da vó, bem enquadrado na moldura lustrada de jacarandá, também foi. Para o seu lugar chegou uma pintura moderna, colorida, até o nome acompanhava a tal modernidade - The Kiss. Foram, também, a mesa e as cadeiras. Olhando assim, não tinham defeitos, a não ser o tempo. Até o tapete já muito pisado e a vassoura velha de piaçava foram pra lá um dia, pro sítio.
No corre corre da cidade, o tempo passa. Passa rápido. Tão rápido que a gente nem sente. Talvez seja somente a nossa velocidade. Entretanto, já pressinto que um dia ouvirei dos filhos, dos parentes e da esposa: “Chegou o momento de você ir pro sítio”. Tenho certeza que não será o tempo da minha inutilidade. Existem tantos sonhos. E o luar? Adoro aquela gente. Ah! Talvez, nesse instante eu me torne um escritor, um poeta e ganhe novos sentidos. E o tempo em mim passará. Nem sentirei. Mas o corpo sentirá. Então, ouvirei… “Você precisa voltar pra cidade, é pra se cuidar e ficar mais perto do hospital”. Já terei criado tantas raizes que certamente não mais voltarei. Voarei em versos e contos pelo sertão. Estarei nos voos livres das garças ao final da tarde. E o tempo, calmo e implacável, continuará a passar.
(Imagem: "O poeta compositor" de Pablo Borges)