O MAIOR JOGO DE FUTEBOL DE TODOS OS TEMPOS.

Todos olhamos para o Cebola, o garoto magrelo e sardento da quinta série. Luis Henrique Rossi Alcântara, era o nome do Cebola, apelidado assim por causa do bafo de jibóia. Cabia a ele desafiar o Toninho, o líder do time da rua de baixo, a Joaquim Nabuco. O Cebola fez sinal de jóia, quando o sinal de saída soou. -"Não é loucura desafiar o bom time do Toninho?" Perguntou o Ataliba ao Cebola. Os alunos saindo da escola. Ficamos atrás do nosso líder. Olhares de tigre, atentos a qualquer movimento estranho. Estávamos prontos a sair na porrada, se preciso. O Toninho veio, como sempre, acompanhado de seus colegas de classe: o Bolota, o Diógenes, o Nino Mussarela, o Pedrão e o Zezé. Toninho e Cebola, frente a frente, como dois pistoleiros inimigos no velho oeste. O servente da escola notou a tensão no ar. O homem veio enfurecido e nos ameaçou. -"Vão pra casa. Não podem brigar no portão da escola." Fomos para o outro lado da rua, próximo ao carrinho de pipocas da dona Gorette. -"Quer desmarcar? Amarelou?" Gritou o Toninho, arrancando gargalhadas de sua patota. O Cebola respondeu a altura. -"Nem na China. Tá apostado." Olhei para o Ataliba, do meu lado. O negrinho sorriu e colocou a mão no meu ombro. -"Tá no papo, cara." O Toninho estava confiante demais. -"Quem perder paga lanche e guaraná na cantina. Hoje às quatro." O Cebola estendeu a mão. -"Certo, perdedor. Às quatro, na rua Cecília Meireles." Cheguei em casa às onze e meia. O estômago roncando. Um cheiro de sardinha frita vinha da cozinha. Joguei a bolsa da escola no sofá. Minha irmã no andador. A tevê ligada no programa da Mara Maravilha. -"Banho antes do almoço." Disse a mamãe. -"Hoje é dia do jogo de futebol mais importante de todos os tempos." Falei a mesa, sendo ignorado pois os velhos falavam do último disco do Roberto Carlos. -"O que, filho? A seleção do Telê vai jogar?" Meu irmão mais velho começou a falar da namorada. Que papo chato. Fui para o quarto, após ajudar a mamãe guardar a louça. Me joguei na cama. -"Telefone pra você. Um tal de Cebola." Gritou meu irmão. -"Cara. O Ataliba deu pra trás e não vai jogar. Chama o Zico e o Perninha, seus primos, pra completar o time. Vou desligar, só tenho uma ficha." A ligação caiu. Peguei a bicicleta e fui até o bairro da Jaqueira, onde moravam meus primos. -"Futebol de rua. O nosso time contra o time do Toninho, da rua de baixo. Hoje às quatro." O Zico só tinha nome de craque mas era ruim que só a peste. O Perninha então, o apelido já dizia tudo. Mancava da perna esquerda pois caiu de uma goiabeira, aos nove anos. Roubar goiabas, na chácara do velho Tobias, era um grande risco e uma aventura mas o Perninha, cujo nome era Genivaldo, se deu mal. -"Qual a premiação?" Perguntou o Zico. -"O time perdedor pagará lanches ao vencedor, na cantina da escola." Expliquei, sem tanto entusiasmo pois com os primos no time nossa chance de vitória era reduzida. Três horas para a partida. Dei uma conferida no velho tênis Kichute com o solado gasto. Roubei a meia xadrez da gaveta do meu irmão. Passei pomada Gelol nas canelas, pra prevenir qualquer lesão. O calção azul do uniforme escolar e uma camiseta amarela que meu pai ganhou de um candidato a vereador. A rua Cecília Meireles era a rua escolhida por ser plana e não ter tanto trânsito. Alguns garotos estavam lá, debaixo do pé de Sete Copas. O Cebola chegou com uma folha de sulfite nas mãos. -"Tarde, tchurma. Essa é a nossa escalação. O Julião, o mais grosso, vai no gol. Se tiver pênalti pro outro time, entra o Boquinha no gol. O Carlito será o centroavante, já que é o dono da bola." Meus primos chegaram, finalmente. O Cebola e o Hélio foram até um terreno com construção e trouxeram tijolos pra fazerem os gols. O time do Toninho chegou. Alguns garotos com uniforme completo do Palmeiras. O Adãozinho e o Nestor treinavam em escolinha de futebol. Era um reforço e tanto. Os brutamontes, Bolota e o Nino Mussarela, seriam os zagueiros. Estavam invictos há dez jogos e seria uma parada dura, ainda mais sem o Ataliba. -"Par ou ímpar para escolher o lado do campo." Disse o Toninho ao Cebola. Um jogo sem juiz. Oito pra cada lado. Outros dois garotos, daquela rua, chegaram e cada um entrou num time. Um time com camisas, outro time sem. Alguns descalços. O asfalto quente. Bola rolando. O caminhão do lixo interrompeu a peleja. Bola rolando de novo. Bola na calçada era escanteio mas depois de meia hora essa regra foi banida. O Adãozinho costurando e fazendo gols. Três a zero para o time do Toninho. Jogo interrompido pra moça passar com um carrinho de bebê. A bola caiu no quintal de uma casa. Jogo parado e pausa pra tomar água na casa do Beto, que morava alí perto. -"Quebra o Adãozinho no meio." Ordenou o Cebola ao Zico. Bola rolando. Uma raspada do meu dedão na guia fez o jogo parar de novo. -"Não saiu sangue, só ralou." Falei ao Cebola, enquanto mancava. Gol do Toninho, com passe do Adãozinho. O Cebola mexeu, finalmente. O Beto foi pro gol. O Perninha ficaria na ponta, onde não receberia mais bola. O Zico levantou o craque deles. O Adãozinho se desviou da árvore e caiu na calçada. O tempo fechou. Socos, empurrões e uma gritaria danada que só terminou com a chegada do Isaac, o vendedor de sacolé. A galera acabou com a mercadoria do garoto. O isopor vazio. O Adãozinho sem condições de jogar. -"Posso jogar?" Perguntou o Isaac ao Cebola. Rimos do garoto mirrado. -"Entra no lugar do Perninha. Vai pra ponta." O Isaac abriu um sorriso. O campo foi aumentado. O suor escorria. O Cebola fez um gol de sorte, num chute meu que resvalou nele e enganou o goleiro. Ele comemorou como se fosse gol de copa do mundo. O Isaac era bom e não era fominha igual o Adãozinho. Nosso time melhorou. O Toninho pediu pra sair. -"Sai um do time de vocês também." Disse o Toninho. Era a regra da pelada. Saiu o Zico, que sentou ao lado do Adãozinho e pediu desculpas ao outro. O Isaac fez dois gols, um deles de pênalti. O Beto foi pra linha e o Cebola me pôs no gol. Defendi, na sorte, duas boladas do Bolota que pegaram na minha cabeça. O Cebola se machucou e foi substituído pelo Perninha. O Isaac foi derrubado e bateu o pênalti que empatou a partida. A mãe do Beto chamou o filho. O garoto saiu do jogo. As faltas ganhas na base do grito. Ninguém queria perder. -"Tá escurecendo. Quem fizer ganha." Gritou o Toninho. Dois rapazes, mais velhos que a garotada, quiseram jogar. Cada um foi para um time. A bola disputada como um prato de comida. Os chutões. A marcação cerrada. A bola na nossa defesa. O Toninho frente a frente comigo. Um gol certo e decisivo. O Cebola desesperado. A derrota seria motivo de chacota e zueiras durante um bom tempo. Me adiantei e travei o chute com o pé. A bola espirrou e foi para frente. O Bolota e o Nino Mussarela olhando a pelota. A bola no ar. O Perninha no meio deles. Seria estraçalhado ou feito de sanduíche pelos dois gorilas. O Isaac e o Cebola longe da jogada. A bola no alto. O goleiro deles saiu, decidido a atropelar tudo pela frente. Cercado pelos zagueiros, o Perninha mal esperou a bola quicar e deu de calcanhar. A bola passou no meio das pernas do goleiro e entrou mansamente e majestosa. O Cebola caiu de joelhos, sem acreditar naquela cena. Golaço digno de ser assinado por Pelé. Uma pintura. Fim de jogo. O Perninha foi carregado pelo time. Até o Adãozinho aplaudiu o gol épico. O Toninho quis uma revanche mas não aceitamos. -"Isso são horas de ficar na rua, jogando bola?" Ouvi a bronca da minha mãe. O pé doendo, o dedão inchado e ralado Tinha louça pra secar e lição pra fazer mas tudo bem, estava feliz pela vitória. FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 17/09/2021
Reeditado em 17/09/2021
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