Conto das terças-feiras – Conversando na calçada
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 14 de setembro de 2021.
Ele retornava de seu trabalho entre cinco e seis horas da tarde. Ao chegar em casa tomava banho, vestia um pijama de calça e mangas compridas, quase sempre listrado, jantava e colocava duas cadeiras de balanço na calçada. Isso fazia, metodicamente, quase todos os dias, de segunda a sexta-feira. Ali, ele e nossa mãe, ficavam conversando sobre os acontecimentos do dia, filhos e suas travessuras.
Aos poucos iam chegando vizinhos, que nos irritavam, pois tínhamos, que trazer cadeiras da sala de visitas para acomodar os chegantes. Durante a noite conversava-se sobre tudo, política, casos noticiados pelas rádios, e amenidades. Às vezes um tirava sarro do outro, cada qual procurando ser mais espirituoso. Ninguém ficava zangado, eram todos amigos, se respeitavam. Quem morava por perto e passava pela frente de nossa casa era convidado a se juntar ao grupo. Vinha gente até de outras ruas, a conversa era agradável alguns, em respeito ao nosso pai, ficavam por poucos minutos, já que tinham que ir para suas casas também.
E assim transcorriam as noites na calçada do seu Aloisio, na Rua Antônio Augusto, entre as Ruas Pinto Madeira e Fiuza de Pontes, na Aldeota dos anos 50. Próximo das 22 horas, nosso pai perguntava a nossa mãe, que ali estava sempre calada, mas atenta a qualquer movimento, se não tinha alguma coisa para servir. Ele sabia que sim. Embora a conversa fosse agradável, era uma maneira que procurava manter essa legião de vizinhos e amigos, sempre ao seu lado.
Ela ia à cozinha, tirava da geladeira sorvete ou pudim, feitos pelo nosso pai, ou bolo, feito por ela. Já tinha o número de pessoas para as quais iria levar o lanche, seis, sete e, às vezes, até dez. As porções de sorvete ou fatias de bolo ou pudim eram colocadas em quantidades igualitárias, para evitar descontentamentos. Todos esperavam ansiosos por aquelas apetitosas iguarias, que sempre recebiam elogios, o que enchia de alegria o patrocinador daqueles momentos. Nossa mãe já estava acostumada, sabia que eram apenas bajulações, mesmo assim ficava contente por ver o marido satisfeito e tomado por aquele sentimento de alegria.
A conversa continuava, alguns esperavam apenas poucos minutos após servido o lanche daquela noite, para baterem em retirada, sempre com desculpas esfarrapadas. Outros, que demoravam um pouco mais, chegavam a solicitar um copo de água, que era sempre pedido pelo pai, aos filhos que permaneciam acordados, à espera que sobrasse algo para eles.
Os amigos mais fiéis eram os últimos a se retirarem, ficando sempre um nosso tio, que morava ao lado esquerdo daquelas cinco casas geminadas, um vizinho próximo, o seu Furtado, para o qual o nosso pai sempre pedia que ficasse mais um pouco, alegando que o sono ainda não chegara. Exatamente às 22 horas, os dois se despediam, o vizinho indo em direção de sua residência. Nessa hora éramos convocados para levar as cadeiras para dentro. Terminada essa ação, realizada sempre a contragosto, o nosso pai fechava a porta, apagava as luzes da sala de visitas, corredores, copa e cozinha indo, finalmente deitar-se em sua confortável rede, armada sobre a cama de nossa mãe, que, pelo cansaço, já dormia a sono solto, em sua cama de casal. Ela se retirara após a distribuição do lanche. No outro dia, já pela manhã, ainda cedo, estaria de pé para preparar o café do marido e as fardas e merendeiras dos filhos, para irem para o colégio.
Ao amanhecer nosso pai se preparava para o trabalho, vestia-se elegantemente com um terno de linho branco, bem engomado e passado, com lenço também branco guardado em um pequeno bolso disposto do lado esquerdo do paletó, sendo um terço dele para o lado de fora, gravata colorida, sapatos sempre pretos, barba feita e bigode aparado. Fazia o seu desjejum, acompanhado de fatias de mamão, pão e café com leite, às vezes coalhada. Abençoava os que já estavam acordados para irem ao colégio, beijava a testa da esposa e ia a pé até o ponto de ônibus, que trafegava pela Rua Pinto Madeira com destino à Praça dos Leões. De lá seguia para a Rua Major Facundo, até o Edifício J. Lopes, onde ficava o seu local de trabalho. Não almoçava em casa, levava marmita.
Diariamente seguia essa rotina, só mudava em caso de extrema necessidade, e nesse caso ligava para casa para avisar do destino e da provável hora de chegar. Nesse dia, os filhos, ficávamos frustrados porque a cena de sua chegada não acontecia e não podíamos correr até a esquina para recebê-lo e abraçá-lo com muita alegria e algazarra como sempre fazíamos.