Conto das terças-feiras – A garota da bicicleta azul
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 7 de setembro de 2021.
Ela não tinha mais que vinte anos de idade. Chegou pedalando uma bicicleta azul, vestida em trajes de educação física, cabelos desalinhados pelo vento, alta, esguia, parecia frágil, mas via-se que não era. Olhos a brilhar e esbanjar alegria, assim era ela, a garota da bicicleta azul. Não era bonita, mas também não era feia, simpática por demais.
Desceu da bicicleta, encostou-a no muro, pelo lado de dentro do jardim que antecedia a entrada da residência, que fora alugada para abrigar o escritório de uma empresa prestadora de serviço. Em atitude não hostil, perguntou para a senhora sentada atrás de uma mesa escura destinada, geralmente, a uma secretária:
— Gostaria de falar com o seu chefe, moça!
— Quem devo anunciar? - perguntou a recepcionista.
— Vanda, a filha de uma amiga dele, declarou a garota.
A funcionária entrou por uma porta logo ao lado dela, fechou-a, demorando alguns minutos lá dentro. Impaciente, Vanda andava de um lado para outro. Sabia que tinha mentido, pois nem sabia quem seria aquele homem que estaria naquela sala. Se não tivesse procedido assim - pensou ela -, não seria recebida. Era melhor encontrar uma justificativa para aquela atitude, baixou a cabeça e tentou encontrar um motivo justificável. Não encontrava nenhum, diria a verdade, estava precisando de um emprego e ali deveria ter um para ela. Levantou a cabeça, recuperou-se e entrou confiante ao ser chamada pelo “chefe”.
— Seu nome? - perguntou ele.
— Vanda Barbosa!
— Só isso? - insistiu o seu inquiridor.
— Sou filha de mãe solteira, isto é, era, ela já morreu!
— O que você faz na vida?
— Acabei de me formar em Administração, entrei com dezesseis anos na universidade - falou com voz altiva.
— E o que você sabe fazer?
— Não muita coisa, mas eu aprendo rápido! A firmeza das respostas, a desenvoltura na conversa e a confiança demonstrada deixaram no avaliador a certeza de que aquela moça à sua frente merecia uma chance de emprego. Mesmo que nunca tivesse trabalhado, uma experiência valia a pena, para avaliar a capacidade de aprendizagem e adaptação daquela jovem que se encontrava a pedir emprego. Afinal ele era dono de uma média indústria, começara com a mesma idade dela a construir o que hoje representava sua empresa. A maioria de seus funcionários fora contratada pelo método que acabara de aplicar, todos jovens e com vontade de vencer na vida. Hoje representam o maior patrimônio imaterial do seu empreendimento.
— Você tem sua carteira de trabalho aí?
— Sim senhor! – respondeu a garota, já mais confiante.
— Vá até o setor de pessoal e entregue esse memorando. Lá entregue também a sua carteira de trabalho. A partir de amanhã você vai começar um período de experiência em nossa fábrica, não me decepcione – completou o homem à sua frente.
Sem condições de falar qualquer coisa mais, a garota só agradeceu:
— Não o decepcionarei!
Já com o contrato de trabalho nas mãos e irradiando felicidade, dirigiu-se até à sua bicicleta azul e saiu pedalando para casa. Antes, soltou seu vasto cabelo deixando-o que tomasse a conformação que o vento lhe imprimia. Sentia-se imensamente feliz, agora tinha um emprego, era uma mulher realizada. Ao pedalar um pouco mais forte, aumentava a ação do vento gelado que batia em seu rosto, refrescando sua mente, fazendo vibrar todo o seu corpo de satisfação. Deixaria de depender da madrinha, sua preceptora desde que sua mãe falecera. Não conhecera seu pai, não tinha irmãos, não conhecia seus demais familiares, fizera poucos amigos na vida, mas sempre se sentira forte, uma leoa. Sabia que cresceria naquela jovem empresa, sempre sonhara com essa oportunidade.
Infelizmente nem tudo sai como esperamos, um pequeno lapso de desatenção no trânsito impediu-a de perceber que o semáforo mudara para o vermelho. Momento que era só alegria virou tragédia, uma moto apanhou-a em cheio, jogando-a três a quatro metros de distância, sem vida.