A HISTÓRIA DE DAMON E PÍTIAS
 
 Um recado para os representantes dos Três Poderes da nossa pobre república, que com suas vaidades e arrogância, não deixam que ela se livre dessa pecha de "república bananeira".


     Na antiga república grega de Siracusa, conta Cícero, o grande orador romano, viviam dois jovens filósofos, amigos desde a infância, chamados Damon e Pítias. Eles tinham muita confiança um no outro e diziam que nada poderia estragar a amizade deles. A amizade era tão forte que um seria capaz de dar a sua própria vida pelo outro.
Embora a cidade de Siracusa fosse, nominalmente, uma república democrática, nessa época, um tirano de nome Dionísio havia assumido o poder pela força das armas e governava a cidade com mãos de ferro.
Pítias, que era democrata de carteirinha, andou fazendo uns discursos sediciosos contra o tirano. Nos debates na ágora, a praça pública onde os cidadãos costumavam se reunir para discutir os problemas da cidade, ele dizia ao povo que nenhum homem tinha direito de ditar leis sobre os outros e obrigá-los a cumpri-los com a força do estado, que os próprios governados ajudavam a manter.
Pítias dizia essas coisas e Damon, seu amigo, as corroborava, embora sem as apoiar publicamente. Encolerizado, Dionísio mandou chamar Pítias e acusou-o formalmente de traição e de espalhar a sedição.
E depois de um pequeno debate e um julgamento simulado, no qual seus ministros e apoiadores foram os acusadores e componentes do júri e ele o próprio juiz, Pítias foi condenado à morte.
Pela lei de Siracusa, todo condenado tinha direito a um último desejo. Assim, Pítias expressou a vontade de ir até sua casa despedir-se da família e resolver alguns assuntos que estavam pendentes. 
Esse era um direito do condenado, mas o tirano, temendo que o condenado escapasse, mesmo escoltado por inúmeros soldados, negou o pedido.
Pítias já tinha se conformado em morrer sem ver sua família, quando Damon, que estava presente no tribunal e havia servido de testemunha a favor de Pítias (inutilmente, pois o tirano já havia decidido condenar o seu amigo), levantou-se e ofereceu-se para ficar no lugar de Pítias enquanto ele ia até a casa dele.
Dionísio sabia da amizade dos dois e uma das coisas que mais honrava os dois jovens, e os fazia respeitados na cidade, era a propalada fidelidade que havia entre eles. Assim, logo pensou que além de acabar com a vida do inimigo, poderia também liquidar com a sua honra, pois certamente Pítias iria tentar fugir. Assim, num golpe só, liquidaria os dois e ficaria absolutamente tranqüilo com respeito à futuras dissidências.
Destarte, Pítias foi autorizado, com o acompanhamento dos soldados do tirano, a ir até sua casa, e dentro de um mês, voltar para ser executado.
Ele morava em uma ilha, distante de Siracusa uns três dias de navio. Nesse ínterim, Damon foi atirado na prisão.
Um mês se passou e Pítias não voltou. E nenhuma notícia dele nem dos soldados que o acompanharam.
Passaram-se vários meses e os meses completaram um ano. Cansado de esperar, o tirano resolveu executar Damon e mandar um corpo de sua guarda até a ilha onde morava Pítias para prendê-lo, ou descobrir o que havia acontecido com ele.
Mas no momento exato em que Damon estava sendo levado ao local da execução, eis que Pítias aparece, correndo, espavorido, e prostrando-se ao pé do  tirano, implorou-lhe que soltasse seu amigo e tomasse a vida dele, como havia sido combinado.
─ Por que você demorou tanto para voltar? ─ perguntou o tirano.
─ Os deuses tentaram me impedir ─ disse ele. ─ Passei apenas três dias em minha casa, e quando estava voltando para Siracusa, uma tempestade colheu nosso navio em alto mar. Toda a tripulação e os guardas que mandastes para me acompanhar pereceram no naufrágio. Só eu escapei. Mas tive de nadar de ilha em ilha até chegar aqui. Enfrentei piratas, os demônios do mar, a fúria dos elementos e a maldade de muitas pessoas que quiseram impedir-me de vir. Levei um ano nessa luta, e só agora consegui chegar.
Dionísio mandou verificar a história de Pítias e descobriu que era verdadeira. Não pode duvidar dela. Ele conhecia a saga de Ulisses, o herói de Homero, que levara dez anos para voltar de Tróia a Ìtaca, depois da famosa guerra entre gregos e troianos. Ele sabia que os mares da Grécia eram muito perigosos e os deuses muito caprichosos.
Esse episódio abriu os olhos do tirano. Ele o interpretou como um aviso dos deuses. Se eles respeitavam assim uma amizade, não seria ele que iria desrespeitá-la. Acabava de ter uma grande e inesquecível lição de amizade e lealdade.
─ A sentença contra vocês será revogada ─ declarou o tirano.
─ Jamais pensei que entre os homens pudesse florescer tamanha fé e lealdade. Vocês me provaram que o mundo pode ser governado por um poder maior do que a força. Estão livres, mas, no entanto,  deverão prestar-me um último serviço ─ completou o tirano.
─ O que desejas?  perguntaram os amigos.
─ Permanecei em minha corte e ensinai-me a governar fazendo amigos ao invés de inimigos.