As Três Marias

Maria do Céu acordou cedo. Faria um teste no teatro. Teria que pegar duas conduções coletivas. A mãe saíra bem cedo para o trabalho. Na cozinha esforçou-se para que o café com leite e o pão com manteiga descesse. Estava nauseada por ansiedade. Pensou em desistir do teste na noite anterior. Depois o desejo falou mais alto. Queria muito subir ao palco e se tornar atriz. Na escola fizera vários papéis, nada além disso.

Á caminho teve um sentimento estranho. O medo. Nunca sentira medo de muitas coisas que as outras pessoas temiam, como medo de baratas, ou altura, ou claustrofobia como sua amiga Aurora. Enfim, ouvia muito as pessoas dizerem que devemos enfrentar nossos medos.

Uma hora e meia depois de sair de casa estava em frente ao teatro. Entrou e foi levada até um salão onde havia muitas outras pessoas. Timidamente recostou-se a um canto da parede. Preencheu um questionário e ficou esperando alguém vir recolhê-lo. Bem próxima a ela estava uma moça que tinha uma presença marcante. Olhou de espreita e sentiu um pouco mais envergonhada, a moça se vestia elegantemente, e Maria do Céu contrastou seus trajes aos dela. Sua roupa um pouco surrada era a melhor que possuía. Ouviu alguém chamando a moça e descobriu que se chamava Maria Laura.

Maria Laura sentou-se em uma cadeira bem em frente a Maria do Céu, e em dado momento percorreu os olhos na tímida moça que escondeu os pés pois três tiras de sua sandália estavam soltas. Envergonhadamente, virou se para a lado e notou a presença de outra moça também muito bem vestida. Mas essa não parecia se interessar em sua figura. A boca de Maria do Céu estava ressecada. E por impulso puxou conversa com a moça ao lado.

– Está nervosa também?

– O que disse?

– Eu perguntei se você está nervosa também?

– Não.– A moça tinha um espelhinho nas mãos e não desviou o olhar para Maria do Céu, continuou se arrumando.

– Pois eu estou e muito! Mas vejo que são muitas candidatas.

– Verdade.

– Como você se chama?

– Maria Helena – respondeu a moça – apreciando as próprias unhas.

– Já decorou o texto?

– Como disse?

– O texto, já decorou?

– Ainda não.

– Eu já, que tal nós duas passarmos o texto, assim que você decorá-lo.

– Não preciso de passar o texto.

– Você é daqui mesmo da cidade?

– O quê? – A moça agora retocava o batom.

– Você é daqui mesmo?

– Meu Deus você fala muito baixo, não tem como ser uma atriz. Sua voz sai num sussurro.

– Tem razão. Mas é que estou nervosa.

Maria Laura postou se ao lado das duas e com um sorriso irônico perguntou se elas iriam mesmo fazer o teste.

– Clara que sim, respondeu Maria Helena indignada. O mesmo teste que você fará.

– Tem certeza. Eu penso que vocês não estão preparadas para o papel.

– Presunçosa. – respondeu Maria Laura, enquanto Maria do Céu se sentia triste.

Finalmente as três são chamadas para o teste e Maria Laura é a primeira a subir ao palco. Maria do Céu não podia duvidar do talento da moça que foi revelado no palco. A diretora pareceu ter aprovado a apresentação dela.

Em seguida foi a vez de Maria Helena que fez de tudo para se sobressair no palco. Elevou as sobrancelhas bem pinçadas. Estendeu as mãos para que as unhas esmeradas fossem vistas, esticou os pés para que os sapatos se sobressaissem e quase grasnou para que sua voz de taquara rachada fosse ouvida. A diretora sem nenhuma alusão ao teste dela se limitou a agradecer.

Enfim, Maria do Céu foi chamada ao palco e com voz quase sussurrada começou a interpretar o texto, mas a diretora disse que sua fala era inaudível.

Maria do Céu então pediu a ela se poderia recomeçar. E diante da permissão ela fechou os olhos, pensou em seu cãozinho que era seu único expectador em casa, respirou fundo, soltou a voz e fez lindamente uma apresentação que fez a diretora se levantar e aplaudi-la.

– Encontrei a atriz principal.