Conto das terças-feiras – Desavença filial

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 31 de agosto de 2021.

Horácio, 25 anos, acabara de se formar em Geologia que, embora não fosse a profissão de preferência do pai, que o queria nas fileiras do exército, chegar a general, o rapaz, desde adolescente se deslumbrara por pedras preciosas. O brilho e o valor pecuniário despertara nele uma paixão avassaladora. Dizia que seria caçador de pedras preciosas e, quando formado, iria para Minas Gerais dedicar-se à prospecção de minérios de valor comercial.

Por sugestão de seu genitor, que tinha uma irmã morando em Belo Horizonte, embora há muito sem contato com ela, por desavença entre ambos, motivada por pequena nesga de terra deixada pela mãe ao morrera há mais de vinte anos, os afastou. Para ajudar o filho, procurou a irmã e conseguira dela a palavra de que daria abrigo ao sobrinho.

Em Belo Horizonte, Horácio ficou poucos dias. Já com algumas indicações de municípios onde eram explorados os minerais de sua preferência, tais como esmeralda, água-marinha, topázio, turmalina, crisoberilo e alexandrita, procurou se instalar sempre nas proximidades desses municípios. Em Mariana, encontrou hospedagem na casa de dona Vitória, divorciada, 48 anos de idade, com uma filha de 17 anos. Acostumada a alugar um quarto, para ajudar nas despesas das duas mulheres, a chegada de Horácio era bem-vinda.

Rapaz jovem, forte, de fisionomia agradável, educado, despertou entre mãe e filha forte afeição. Vitória, a viúva, apesar da idade, era mulher charmosa, atraente, meiga e cheia de amor para dar. A idade favorecia na artimanha da conquista. Tratava bem o seu hóspede, procurando conquistá-lo pela boa comida. Teresinha, a filha, também pretendente na atenção do jovem mancebo, não via com bons olhos aquelas investidas da genitora e bradava para o cachorrinho de estimação:

— Pingo, ela é 23 anos mais velha que ele, isso não pode dar certo.

Pingo se agitava, corria de um lado para outro, preso no quarto, só balançava o rabinho, que para Teresinha era uma concordância ao que ela expressava.

— Pois é, Pingo, eu tenho 17, apenas oito anos mais nova que ele, o que é uma diferença normal entre casais.

Cansado de correr, Pingo parou, o que foi interpretado como reprovação. A moça atirou um sapato em direção ao cãozinho, que se encolheu ganindo baixinho. Não satisfeita, ela o enxotou para fora do quarto, fazendo com que o cãozinho gemesse mais alto, incomodando Vitória que se encontrava paparicando o seu hóspede. Furiosa, correu para o quarto da filha, aos berros:

— Oi mocinha, cuide de seu cachorro nojento, senão eu vou doar para alguém!

Também furiosa com a mãe, respondeu:

— O meu Pingo foi meu pai que me deu, ele vai ficar aqui nessa casa, que também é minha!

Na fase do divórcio, mãe e filha tiveram um arranca-rabo, uma desavença, a causadora da separação fora a mãe, que traíra o pai. O marido saíra de casa e nunca mais voltara, abandonando até a filha, que o adorava. Desde essa época, as duas viviam em turras, quase não se falavam. Horácio chegara para piorar a situação, ambas pretendiam conquistar o amor do jovem, que não demonstrava nenhuma correspondência. Ele estava ali para trabalhar, dar duro, ficar rico e famoso. Suas pretensões eram altas. Desejava casar-se com uma mineira rica, dona ou filha de dono de uma mineradora. Não queria desperdiçar essa oportunidade, mesmo assim, vez por outra recebia Vitória em seu quarto, altas horas da noite, sem que a filha tivesse conhecimento.

Naquela noite a moça ficou acordada até mais tarde, esperando tirar dúvida do que já desconfiava. Mais tarde, um movimento cadenciado chamou a sua atenção. Pé ante pé, chegou à porta de Horácio, ouvido encostado à fechadura, percebeu que a mãe estava lá dentro. Sem fazer alarde, voltou para o seu quarto, fez duas malas com suas roupas e coisas, colocou Pingo no colo, trancou a casa toda e saiu de fininho, antes tocando fogo na casa, desaparecendo.

Felizmente, os amantes estavam acordados e conseguiram sair da casa ilesos. A moça foi até a rodovia, a três quilômetros do local do incêndio, pegou uma carona em um caminhão carregado de minério e nunca mais foi vista.

Horácio e Vitória se separaram, ele mudou-se de cidade e foi trabalhar em um garimpo de extração de pedras preciosas. Pouco tempo depois encontrou uma pedra de valor inestimável, conseguiu vendê-la, ficando rico. De dona Vitória, como ele chamava a divorciada, nunca mais se ouviu falar.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 31/08/2021
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