Espaços vazios

A garrafa de vinho no parapeito da janela iluminada pela luz da lua. Uma lágrima escorre pelo meu rosto. Apertado entre meus dedos um copo com vinho tinto. A lua cheia marcada em minha retina. As emoções afloram sem que saiba quais elas sejam exatamente. Procuro por algo para ouvir, uma playlist chamada ‘músicas para chorar as duas da manhã’. Ainda são nove da noite, o quão deprimente é isso? Uma melodia triste toca, a letra é romântica, sobre alguém que foi embora. Estar só nos lembra dos nossos vazios. Usar outras pessoas para tentar preencher isso, não faz com que sumam. O vazio que se sente quando alguém parte, na verdade já estava lá. Coincidentemente, a próxima música fala de ‘empty spaces’. Apenas uma coincidência. Quantas pessoas já não pararam para pensar nos seus espaços vazios? Todes temos. Reparo em um inseto do lado de fora do vidro. A pouco mais de um metro do meu rosto. Um inseto grande, marrom, suas antenas e perninhas mexendo freneticamente. Faz parte do mundo como eu, mas sinto nojo. Minha melancólica não tem espaço para esse besouro incapaz de algo mais complexo que se movimentar instintivamente. Tomo um gole de vinho, a vista da lua arruinada, não é mais possível me concentrar nela, com aquelas patinhas rastejando tão perto. Às minhas costas está uma kitnet, uma cama, uma estante, uma cozinha. Faz dias que não durmo. Agitação e ansiedade são o que me esperam. Um celular que poderia usar para me comunicar com pessoas que se importam comigo. Mas não há energia para fazer o primeiro contato. Passo os dedos pela minha coxa, repetidamente. Onde estão minhas cicatrizes tão conhecidas. A textura das linhas pode ser sentida pelas pontas dos meus dedos. Isso me acalma, lembrar o que já passei. Lembrar que existiu essa parte de mim que não se reconhecia e se mutilava. Mas que não preciso mais dela. Sinto o corpo leve pelo efeito do álcool. Só consigo dormir quando fantasio com meu passado. Me imagino fazendo escolhas diferentes e toda a vida que poderia ter tido a partir dessas escolhas. Cenas que me acalmavam e antes de me dar conta estava acordando de manhã sem saber em que momento da história havia adormecido. Imaginei muitas possibilidades, repetidamente, noite após noite. Agora parece que não sobrou nada. Eu deito e não consigo imaginar algo que deseje. Nenhuma dessas histórias que conto para mim mesmo antes de dormir é real. Não consigo saber realmente como meus personagens reagiriam as situações. Não vale a pena viver sonhando e se esquecer de viver. Faz tempo que não vivo. A vida passa por mim, e não vejo mais ela. Porém meu coração segue batendo e com ele a promessa de vidas por vir. A lua não liga para nada disso, mas ilumina tudo.

Raon Hao
Enviado por Raon Hao em 26/08/2021
Reeditado em 29/08/2021
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