O crime antes da vacina
Saiu às pressas quando soube da tão esperada notícia - quase perdia... não fosse um aviso. O horário marcado indicava que estava atrasado, mesmo assim foi. Desarrumado e desengonçado. Chegando lá teve outra notícia que aliviara-o: ainda havia tempo. Uma fila desorganizada lá estava. Foi para o último lugar e contou umas trinta e poucas pessoas à sua frente.
Outra notícia veio: só começariam de fato quando desse uma hora.
O jeito era esperar. Não sabia que horas eram - tão rápido foi que não esqueceu-se apenas dos documentos. Uma demora... Jurava que o horário já tinha era extrapolado e nada da fila mover-se; apenas crescia.
Um estranhamento...
Olhava para os lados e via semelhantes tão diferentes. Sentiu-se um ser completamente díspar. Sentiu vergonha, depois isso se tornou "indiferente"; mesmo que isso tenha se tornado alvo de reflexões ulteriores.
Então... lentamente começou a fila a andar.
Cada passo parecia custar dez minutos. Julgou, pelo andamento das coisas, sair de lá só quando o Sol começasse a cansar-se. Falando nele... que quentura resolveu o danado fazer neste dia... Teve de, num momento de sorte posicional, abrigar-se num cantinho de sombra escassa e cobiçada.
Mas naquele lugar privilegiado ficou por pouco tempo.
Privilégio por privilégio, a amizade vence qualquer que seja. Fora avistado por uma das autoridades de lá de dentro... Essa tratou de não dar muito na cara o que viria a suceder-se, porém, instantes depois, puxou-o com o maior descaramento a dizer alguma coisa do tipo: "Estás na fila errada!"
E, saindo da sombra curta e quentura, foi para uma produzida por telhados e clima ameno de ar-condicionado.
Ficou sentado num banquinho por um momento, até ser puxado para outro local, frente a uma porta. Esperou um momento enquanto a burocracia trabalhava arduamente. Havia, no mesmo corredor que ficara, uma mulher parecendo bem cansada. Perguntou o que estava a fazer ali: "Vai consultar-se?"
"Não, acho que é para vacina."
Um misto de inocência e cinismo, sim, inocência, também.
Depois da autorização, entrou na saleta onde ocorreria o ato vil, imoral, hediondo... Tomou a picadinha bem abaixo do ombro... Saiu de lá sorridente, por também outra razão diferente da que estava antes quando na fila ria por nada além de alegria.