A Matrícula

Aurora decidiu fazer um curso e foi animada fazer a matrícula. Chegou ao endereço e se deparou com um enorme edifício. Pensou que poderia ser no andar térreo o local da inscrição, mas foi informada pelo porteiro que era no vigésimo andar. E agora? – pensou. Jamais entrava em elevadores, era claustrofóbica.

Perguntou ao porteiro onde eram as escadas. E o rapaz indignado com a disposição da moça em subir vinte andares, indicou o elevador logo atrás dela. Meio sem graça, Aurora não confessou o seu medo, preferiu dizer que subiria as escadas porque queria se exercitar.

Diante da negativa da moça em subir pelo elevador, o porteiro indicou as escadas no final do corredor a esquerda.

Aurora agradeceu e rumou para a escadaria. Abriu a porta e viu um pequeno lance de escadas. Animou-se, até que se surpreendeu no último degrau quando viu o próximo lance com mais ou menos 30 degraus, somando 35 ao todo. Multiplicou o número de andares pelo número de degraus e assustou-se com os 700 degraus que teria que subir. Parou, hesitou e voltou até a portaria.

Indagou ao porteiro se não haveria como alguém descer e fazer sua matrícula na portaria. O porteiro quase certo do medo da moça em pegar o elevador, foi gentil, e interfonou para alguém no vigésimo andar.

– Certo. Eu repasso a informação. Obrigado!

– Infelizmente não há como fazer sua matrícula aqui em baixo. É preciso que suba.

Aurora sentiu-se desolada, mas compreendeu.

– Certo, muito obrigada, então vou subir.

– Não prefere ir pelo elevador ?

– Vou pelas escadas mesmo. É mais saudável.

Aurora imaginou que não seria tão difícil, afinal poderia ser pior, como quarenta andares. Esse pensamento a animou.

Subiu um, dois, três, quatro, cinco e no sexto sentiu um pouco de cansaço. Pensou em estar fora de forma. Se pelo menos, frequentasse uma academia subiria mais fácil. Continuou, subiu sete, oito, nove, dez.

– Ai, como cansa essa escadaria, vou descansar um pouco, me sento aqui nesse degrau.

Sentou-se e ouviu o ronco de sua barriga. Já havia muito tempo desde sua última refeição. Abriu a bolsa, sempre carregava uns biscoitinhos. Abriu o pacote e foi quando uma voz atrás dela a fez dar um sobressalto de susto. Olhou para trás e viu uma senhora que lhe perguntava se aquele era o décimo quinto andar.

Aurora se levantou e foi gentil com a senhora, explicou que aquele era o décimo andar.

– Então eu desci no andar errado. Não tenho costume com elevadores. Pode ir comigo até lá?

Aurora sentiu uma pontada no peito de angústia. Pensou e resolveu levar a senhora até o elevador, apertou o décimo quinto, já seria uma boa ajuda.

A senhora agradeceu e perguntou em qual andar Aurora iria.

– Eu vou ficar aqui mesmo, no décimo andar.

A senhora agradeceu e seguiu para o décimo quinto andar.

Aurora se sentou novamente, abriu o pacote de biscoitos e comeu quase metade. Estava ansiosa. Refeita suas energias, resolveu encarar os dez andares restantes.

Subiu onze, doze, treze, quatorze e quinze e se reencontrou com a senhora.

– Olá,nos encontramos novamente, mas você veio pelas escadas, me disse que ficaria no décimo andar.

– Er, ficaria, mas me informaram que eu deveria ir em outro andar, me enganei também.

– Entendo. Eu agora vou descer. Será que pode me dar mais uma ajuda?

– Claro. Eu aperto o botão da portaria para a senhora.

– Tem certeza que não quer pegar o elevador?

– Sim, certeza. Vou subir só mais um andar.

Agradecimentos e despedidas. Agora seria fácil, estava descansada.

Subiu dezesseis, dezessete, dezoito e as pernas doíam bastante.

– Falta pouco agora, só dois andares. Estava um pouco ofegante, mas feliz por estar quase lá. Subiu dezenove e vinte. Finalmente chega.

A porta está aberta e há mais duas moças fazendo matrícula. Com o envelope nas mãos espera ansiosa sua vez. Poucos minutos depois:

– Poder vir até minha mesa-- chama uma moça simpática.

– Eu quero fazer a matrícula, aqui estão meus documentos.

– A sim, deixa eu ver. – A moça analisou a documentação. – Mas estão faltando as cópias.

– Você não pode tirá-las aqui?. – A voz de Aurora saiu mais estridente do que o normal.

– Infelizmente a nossa copiadora está quebrada. Mas não se aflija tem uma copiadora bem aqui na esquina.

– MAS É LÁ EMBAIXO!

A moça fica meio sem entender o nervosismo de Aurora.

– Mas é rapidinho. É só pegar o elevador e num instante você vai e volta.

– Está bem, eu vou e volto.

Aurora saiu desanimada. Agora sim, seria quarenta andares.

Descer era fácil, agora subir novamente seria um suplício.

Assim que chegou na portaria, o porteiro perguntou se ela havia se cansado.

– De jeito nenhum. Vou até subir outra vez. E saiu para a rua sem dizer mais uma palavra.

Após tirar as cópias ela passou em uma lanchonete e comprou uma garrafa d´agua. Aquilo estava virando uma aventura.

Passou pelo porteiro meio sem graça. Direcionou-se as escadas e antes de subir o primeiro degrau disse a si mesma palavras de encorajamento. Subiu um, dois, três andares. As luzes se apagaram, ficou muito escuro, só faltava essa, foi o pensamento de Aurora. Tateou a parede a procura do corrimão. Segurou com as duas mãos e foi colocando cuidadosamente o pé em cada degrau. Como seria subir os próximos dezessete andares no escuro. Resolveu parar e esperar. Sentiu alívio por não estar no elevador. Isso sim, seria um verdadeiro problema para ela. Recostou-se a parede do terceiro andar. Foi quando ouviu vozes. Era o porteiro que iluminou com a lanterna o rosto dela. Ele estava acompanhado de duas senhoras que tentavam entrar em um dos escritórios. Aurora notou que eles não passaram por ela nas escadas. Viu as luzes do elevador e em seguida o porteiro explicou que o elevador tinha gerador. Ele a aconselhou que tomasse o elevador, as escadas não eram seguras no escuro. Mesmo assim ela preferiu esperar as luzes voltarem. Uma secretária ofereceu a ela uma cadeira. Mas ela se recusou. Aurora começou a se preocupar, logo o expediente se encerraria. Em instantes, as luzes voltaram e ela acelerou escada acima. Nenhum contratempo mais. Subiu os vinte andares e finalmente conseguiu se sentar para fazer a matrícula. Estava exausta. Finalmente todos os papéis estavam completos. Sorriu satisfeita quando a secretária concluiu a matrícula. Despediu-se e saiu para o corredor feliz da vida. Mas antes que descesse o primeiro degrau lembrou se de voltar e perguntar onde seriam as aulas. Aí veio a terrível resposta. Aqui mesmo nesse andar. Aurora ficou completamente sem fala. Todos os dias teria que subir vinte andares. Não disse nada. Foi até o elevador, apertou o botão de chamada, esperou batendo o pé direito impacientemente. O número vigésimo apareceu sobre a porta do elevador. Aurora olhou para dentro, respirou fundo, acionou o botão da portaria e desceu apreciando a si mesma no espelho do elevador. Constatou que o elevador foi a melhor invenção dos últimos tempos.