Noite escura - (drama/suspense)
Sinopse: Há anos sobrevivendo ao recorrente caos conjugal provocado pela dependência química de Mike, o cunhado, Akira luta para resgatar Juliana, sua esposa, já totalmente imersa nas águas congelantes de um precipício existencial.
Noite escura
No dia 28 de Julho de 2003, assim que o relógio da sala apontou 2h30min da madrugada, o celular de Juliana regurgitou freneticamente a campainha:
— Filha?! — Era dona Aucilene, sua mãe exclamando do outro lado do telefone — Acorda o Akira e corre pra cá!
— Pelo amor de Deus, mamãe! — Exclamou Juliana em desespero — O que foi dessa vez?
— Então, — a mãe lamentou — seu irmão passou o dia inteiro bebendo no bar, e agora, depois de arrebentar o portão, está estraçalhando com murros a porta do meu quarto!
— E onde você está agora, mamãe?!
— No quarto, filha.
— E por que o Mike tá agitado assim?! O que aconteceu?! Ele usou droga?!
Dona Aucilene emudeceu. Mas foi possível ouvir que Flaviane, sua cunhada, também estava trancada ali dentro do mesmo quarto.
— Então... — a velha sussurrou com uma das mãos sobre o fone — eu acho que usou sim. Coisa forte pra variar. Mas ele ficou assim por que descobriu uns “rolos” da Flaviane.
— Rolos?!
— É minha filha...
— Nossa! — Juliana exclamou do outro lado da linha. Akira, o marido, que até então dormia uma soneca profunda, acabou despertando com o alvoroço.
— E agora, ele tá doidão na porta do meu quarto, ameaçando me matar caso eu o impeça de dar uma boa surra na Flaviane. — disse a velha.
— Mas o que a senhora quer que eu faça mamãe?! Eu moro longe!
— Pelo amor de Deus, Juliana — vem correndo pra cá! Ele é seu irmão, puxa vida!
Sem saber o que fazer ou falar, Juliana apenas disse: “Daqui a pouco estamos ai...” e desligou o telefone. Akira já estava sentado ao seu lado no sofá. Logo ouviu um: “Aff!” bem frustrado dele.
— De novo, Juliana?!
— De novo Akira... — suspirou a mulher entristecida — e parece que a coisa tá muito feia por lá!
Akira não aguentou. Acabou falando o que não devia.
— Por que sua mãe não denuncia aquele traste pra polícia?!
Juliana depositou o celular ao lado do abajur e ficou em silêncio. Lágrimas se avolumaram em seus olhos.
— Aquele traste é o meu irmão. — ela disse depois de um tempo — Minha mãe só tá pedindo pra eu ir lá conversar com ele... Pra ver se ele acalma um pouco.
— São quase 3h da manhã...
— Eu sei! Mas eu não tenho culpa. Ela é minha mãe. Não posso ficar aqui de braços cruzados. É parte da minha obrigação de irmã mais velha.
— Sabe qual é o nome que damos pra isso? Para o comportamento da sua mãe?
— Lá vem você de novo...
— “Sequestro emocional” é o nome que damos pra esse tipo de coisa.
— Quê?!
— Isso mesmo que você ouviu Juliana, “sequestro emocional”. Li sobre isso em uma revista. Quando alguém não...
— Certo! — Juliana cortou a conversa. Depois disse com os olhos fincados no relógio — Mas depois falamos sobre isso, Akira... Com tudo que está acontecendo, eu não estou com cabeça para aulão de filosofia.
— Isso não é filosofia! — retrucou o marido — É a nossa vida que tá em jogo! Você não vê?!
— Tanto faz...
— Tanto faz?! — ele retorquiu desacreditado com o comportamento da mulher. Depois resmungou: “Desde que me casei com você, Juliana, estou preso nessas confusões que nunca acabam...”.
E enquanto Akira repetia: “O Mike apronta e somos nós que temos que pagar o pato?!” a mulher já estava no outro quarto, ou seja, no quarto de Enrico, — o filho do casal, — acomodando dentro da sua bolsinha azul o que por ventura o rebento viesse a necessitar: fraldas, a mamadeira retirada às pressas da geladeira, e o cobertorzinho felpudo com suas iniciais. Depois Juliana procurou na prateleira do banheiro, até encontrar a caixinha do Floratil que tanto utilizara nas últimas semanas, por conta de uma diarreia que tomou conta do intestino do filho.
Enquanto via a esposa se arrumar, maus pensamentos orbitavam a cabeça de Akira. Os piores eram: “Será que aguento mais um ano de casado?”, e também: “Me meti em casa de gente doida...”.
Logo que tirou o pijama e colocou um vestido, — bem como após ter trocado a roupinha de Enrico e acobertá-lo com um casaquinho bem mais quente, — Juliana ancorou a bolsa no ombro oposto ao do filho já posto em seu regaço, e falou: “Podemos ir?!” de um jeito eufórico que acabou engolindo o som dos ponteiros do relógio que acabavam de tiquetaquear às 3h.
Depois de ouvir um: “ok” abafado e bem triste de Akira, ela foi pra garagem e começou a ajustar Enrico no cinto de segurança da cadeirinha posicionada no banco traseiro do automóvel. Akira logo apareceu na garagem. Depois de se acercar que estava com as chaves do veículo, ele colocou o celular e a carteira no bolso e, como Juliana havia calculado a rota mais rápida no GPS, ele trancou a casa, entrou no carro e saiu da garagem.
Durante o percurso até a casa da mãe — e também com o propósito de amenizar, pelo menos um pouco, o clima pesado que resistia em pairar dentro do carro — ela, que já expressava um rosto mais tranquilo, começou a enumerar os predicados do marido ao volante. Com a voz bem branda, dizia coisas como: “Você é um exemplo de vida”, e também “Obrigado por ser assim, tão amoroso com nosso filho”, e ora e outra, ela chegava mais perto e começava a sussurrar coisas até mais íntimas: “Sou louca por você e você sabe disso...”.
Akira permanecia firme sob o volante pendendo à frente das mãos e, enquanto o automóvel avançava as ruas escuras dos setores intermediários, ele percebeu em si o brotar de pensamentos diversamente desfavoráveis: “O que está acontece com a gente meu Deus?!”, “Se eu a deixá-la, como crescerá nosso filho em meio a tantos conflitos?”, “Meu amor por ela é grande o suficiente para suportar tudo isso sem fazer nada?!”. Já Juliana permanecia com o olhar fincado no horizonte, desfrutando de uma brisa refrescante que esvoaçava sobre seus cabelos e, a partir daí circulava espalhando o perfume do seu shampoo de morango no interior do automóvel. Foi Akira que se arriscou a quebrar o silêncio.
— Desde o início do namoro, Juliana, minha vida é servir de babá do Mike...
— Ah, não, Akira, já vai começar? — murmurou Juliana.
— Se lembra da noite que seu irmão se acidentou bêbado como um gambá?
— Sim! E o que é que tem?
— O que é que tem?!
E como Juliana não deu sinais que estava a fim de retrucar sua última pergunta, ou que argumentaria algo de volta nem que fosse só para contrariá-lo, Akira viu o caminho totalmente livre para trazer à memória, lembranças até mais amargas que vivenciaram na tal noite.
— Depois de horas conversando com os policiais, — Akira tornou a falar — também acertando os detalhes do concerto com o cara dono do outro carro destruído, ficamos plantados no hospital por horas, pelo menos umas três horas seguidas, só aguardando a vez de engessarem o pé do seu irmão e...
— Precisa me lembrar disso?! — ela o cortou. E antes que ele dissesse qualquer outra coisa de volta, ela o sentenciou — Esse é o seu problema, Akira... Você vive demais no passado.
— Tá certo! — Akira respondeu depois de pensar um pouco. Mas depois não aguentou a acusação e a sentenciou de volta: — E sabe qual é o seu problema, Juliana?!
Ela deu de ombros. Fingiu não ouvir. Depois ficou curiosa e perguntou:
— Não sei, não. Diga-me você qual é o meu problema?
— O seu problema, Juliana, é que quando se trata dos seus parentes, você mal consegue enxergar mais do que um palmo diante dos seus olhos...
Juliana cerrou a face ao ouvir. Mas depois, para evitar maiores atritos, — já que tinham acabado de adentrar o setor onde a mãe morava, — ela suavizou a mão no ombro do marido pra dizer:
— Isso são águas passadas, meu amor... Esquece isso, tá bem?
— Não são águas passadas não! — Akira exclamou — Por que não leva a sério as coisas que eu te falo, hein?!
— Por favor, Akira... Agora não é hora de...
— E quer saber mais?!
— O que Akira? Diga-me vai...
— Quando faltava pouco, muito pouco pra o Mike ser atendido no pronto socorro, deu uma louca nele e, do nada ele berrou dizendo que queria ir embora?
— O Mike é assim. Tem dessas coisas...
— “O Mike é assim?!” Só isso que tem a me dizer? Por que você nunca fica do meu lado, Juliana?
Ao invés de se defender respondendo a pergunta, Juliana fez foi mudar o rumo da conversa. Sua estratégia foi dizer:
— E o seu povo?! Por que não fala um pouco deles também, hein?! Que saco!
Ouvir aquele convite foi tipo um golpe baixo pra Akira. Ele não vinha nutrindo um bom relacionamento com os pais, nem com os irmãos, de forma que preferiu se calar pra concentrar-se melhor na pista.
Mas Juliana continuou insistindo, de forma que, entusiasmada com o silêncio do marido, ela acabou entrando mais fundo no assunto.
— Fala pra mim?! O que seus pais, apesar de todo dinheiro que eles ganham, já fizeram para o Enrico?!
Continua...
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