TARDE DEMAIS 29 - ENCOMENDA
Conto de Gustavo do Carmo
Atendeu, com voz bem tremida, o interfone que tocava insistentemente.
— Quem é?
— Encomenda para a senhor Péricles Soares.
— Você poderia subir, por favor? É que eu sou idosa e não posso mais descer escada rápido.
— Claro, minha senhora. Tudo bem.
A porta do apartamento já estava aberta, à espera do jovem entregador, que subiu ofegante com uma caixa de papelão numa mão e um papel na outra. Entregou primeiro à senhorinha o papel, não sem antes perguntar se ela era a mãe do destinatário.
Após responder que sim, a idosa de 80 anos assinou a guia de entrega e recebeu uma caixa um pouco pesada, com a nota fiscal colada com durex. Ela colocou a caixa sobre a mesa de jantar e foi buscar uma gorjeta para o entregador franzino. Ensinou-lhe abrir o portão de saída e se despediu dele. Fechou a porta.
Em seguida foi ao quarto do filho e com muito esforço colocou o notebook que ele havia comprado. A encomenda demorou bastante. Durante a espera, ele teve um infarto fulminante por causa de um plágio que levou sem poder provar.
O notebook ficou lá na cama, dentro da caixa de papelão lacrada. Mais um item para o santuário de Péricles, que só foi desfeito quando Dona Celeste precisou se mudar para a casa da filha porque o prédio onde morou por 50 anos e criou os dois filhos seria demolido para a ampliação de um supermercado.