Conto das terças-feiras – Cocô de baratas

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 10 de agosto de 2021.

A família Silva tem sua história de vida encrustada num pedaço de terra, localizado no semiárido do Nordeste brasileiro, onde a temperatura se mantém elevada e regime de chuvas irregular. O perímetro conhecido como Polígono das Secas apresenta baixa umidade e longo período de estiagem, assemelhando-se às regiões desérticas da Terra. Uma vida sofrida e sem muita perspectiva, com pouca informação e nenhum estudo. O único trabalho disponível era cuidar da roça, da pequena nesga de terreno, plantio apenas para o sustento, para não passar fome, família numerosa. Os vizinhos próximos distavam alguns quilômetros da casa de dona Margarida Silva, a matriarca da família que já não contava com o marido, falecido há dez anos.

O único recurso era deixar aquele local inóspito, procurar outras paragens, com recursos e condições para melhor viver. Foi o que aconteceu com a Jandira, moça ambiciosa, corajosa e disposta a enfrentar riscos em busca de futuro melhor. Certo dia arrumou uma trouxa com seus minguados pertences e partiu. Andou alguns quilômetros a pé, até alcançar uma rodovia, ainda era de madrugada. Depois disso, ninguém na redondeza ouvira falar da menina afoita, ousada. Esse ato encorajou outros membros da família de dona Margarida a fazer o mesmo. Apenas a caçula, Mariazinha e João permaneceram para tomar conta da mãe e da avó, Marieta.

Passados alguns anos, aparece Jandira, que antes dera uma passada pela sede do município, onde ainda moravam alguns parentes da matriarca Silva, para obter informações se a mãe e também a vó ainda moravam naquele fim de mundo. Com resposta positiva, perguntou se alguém a levaria até elas, de carro. Um primo aceitou o desafio, e lá foram Juliana, Mateus, Sara e Rebeca, evangélicos e primos da recém-chegada. O carro estava um pouco pesado, pois, além das malas da viajante, havia também presentes para os parentes.

Saíram às 14 horas, estrada sem asfalto, poeira a cobri-la, muitos buracos. Um pneu furou, perderam tempo ao trocá-lo. A viagem prosseguiu, com a vagareza que a estrada permitia. Chegaram depois das 18 horas. Uma festa de emoção e choros. Passando uma revista na família, Juliana, que saiu ainda adolescente, agora mulher feita, notou que a família aumentara, apesar dos desertores: Mariazinha com dois filhos, uma menina e um rapaz de quase 16 anos, marido ela não tinha. João, casado e dois filhos. Todos moravam naquela pequena casa, um pouco melhorada pelos esforços de João.

Já era tarde para os primos voltarem, a avó, dona Marieta, acomodou-os satisfatoriamente, antes houve a entrega das lembranças, não havia para todos, mas a alegria era tanta que não houve contestação, zanga. À avó, coube-lhe um bolo trazido do Rio de Janeiro, onde morava a neta fujona, como a velha senhora classificara Juliana, desde o seu desaparecimento. Comer o bolo ficou para o café da manhã, com desaprovação de alguns.

No dia seguinte todos acordaram e foram direto para a cozinha, para tomar café e comer o esperado bolo.

— Vó Marieta, cadê o bolo que deixei aqui na mesa?

— Joguei no mato, respondeu prontamente a idosa senhora.

— Porque vó, era um bolo novo, não estava estragado.

— Estava cheio de cocô de barata, ninguém gosta de bolo com cocô de barata - assegurou dona Marieta.

— Era um bolo de chocolate e o que a senhora achou ser cocô, eram confeitos granulados de chocolate para o bolo ficar mais apetitoso, mais bonito.

A velha senhora baixou a cabeça e começou a chorar. Ela e ninguém dali conhecia aquilo que Dona Marieta chamara de cocô, novidade da confeitaria brasileira, só apreciada no sul do País. Todos correram ao local indicado onde fora despejado o bolo, e ali só encontraram algumas migalhas, três galinhas que João criava deram conta de comer aquele gostoso bolo.

Depois de tomarem o café da manhã acompanhado de tapioca e batata-doce, os visitantes tomaram rumo da sede do município, com a desculpa de que Juliana teria que retornar ao Rio de Janeiro para assumir suas tarefas na empresa onde trabalhava. Deixava a certeza que voltaria em breve e que daquela data em diante passaria a contribuir com certa quantia para as despesas da família.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 10/08/2021
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