A Inquietação
A turma responsável pela destruição completa da feirinha da Parquelândia estava preocupada com o seu destino. O caso tomara uma repercussão inesperada por todos eles, agora apreensivos diante da possibilidade de desligamento sumário e punição, no meio civil, pelo delito cometido.
Haviam se deixado levar pela emoção. Se preparam para uma guerra. Bandeira relatava que fora cercado e ameaçado por cinquenta agressores ferozes. Ao chegar no local, depois de lotar dois ônibus de linha, não encontraram um adversário à altura.
Só se depararam com o causador da confusão, sozinho e indefeso, e os marinheiros se deixaram levar pelo calor do momento. Todos cercaram o homem de vinte e poucos anos, após uma discursão provocada por Amorim, conforme orientara Ventura. Sem pensar nas consequências de seus atos, os cariocas, responsáveis diretos pelo quebra – quebra, embora solidários com a causa de Bandeira, estavam divididos.
Uns achavam que ele devia se entregar e livrar os companheiros, assumindo sozinho o ato criminoso; já, outros eram partidários do silêncio. Morreriam negando, mas para fazê-lo precisavam do mesmo procedimento por parte do pessoal do Pará (o grupo mais numeroso depois deles) e dos outros estados participantes. Embora fosse o grupo mais numeroso, sabiam que os” paraíbas¨ podiam roer a corda e botar tudo a perder, devido ao medo da punição de desligamento do curso e responder a um inquérito penal, caso fosse comprovada a participação no depredamento e tentativa de homicídio.
Na coberta de alojamento três, no segundo andar do prédio principal da Escola de Aprendizes – Marinheiros do Ceará, todo branco com janelas azuis, as praças especiais discutiam entre si. Ventura, partidário do silêncio, argumentava com todos os envolvidos no horário de banho e uniforme, após o treinamento Físico – Militar, daquela segunda – feira.
- Temos que ficar de bico fechado, dizendo que não foi a gente – dizia o mulato, peremptório, a todos os companheiros.
- Mas pegaram a carteira do Bandeira na praça, como vamos explicar que não estávamos envolvidos? – dizia o líder dos paraenses, apoiado por todos os nordestinos e nortistas envolvidos na questão.
- Isso não quer dizer nada; O Bandeira deu parte do sumiço da carteira num assalto na Aldeota – retrucou Ventura apoiado por Amorim, Bandeira e o restante dos cariocas envolvidos na questão eram partidários do silêncio total. O impasse estava criado e só foi decidido após uma votação, em que por uma pequena margem de votos ganhou a turma do silêncio. Para garantir o cumprimento do acordo, conseguido a duras penas, Ventura ameaçou aos que de repente pudessem descumpri – ló, por medo ou covardia.
- Quem roer a corda, vai se arrepender – vociferou Ventura – aqui e lá fora! E completou a sentença, dando um tapa de mão aberta num beliche com um compensado servindo de estrado, sem colchão, o qual ecoou por todo alojamento. Nesta hora todos calaram – se, pois no rádio uma emissora noticiava o estado de saúde do homem agredido na feirinha por eles. A chamada, direto do hospital, dizia estar o enfermo entre a vida e a morte, com traumatismo craniano e todos os ossos do corpo fraturados. A turma, após um momento de silêncio, preparou – se para ir às salas de aula, já no prédio do Departamento Escolar, divididos nos quatro Quadros Suplementares escolhidos por eles na metade da primeira fase do curso.