AMALDIÇOADO
Conto de Gustavo do Carmo
Nada mais dá certo para Gentil. Não consegue arrumar uma namorada, um emprego, muito menos ganhar dinheiro com o que escreve. Seu blog literário na internet é um fracasso. Os pais são separados, mas ainda moram juntos, brigando o tempo todo, fazendo os filhos de intérpretes, mas se unem apenas para fazer cobranças a Gentil. Eles querem porque querem que o filho faça um concurso público. Qualquer que seja. Mesmo o mais humilhante. Gentil é irredutível e não faz. Aliás, faz, mas não estuda. E ainda assim, só faz quando é coagido pelo pai que lhe ameaça cortar o dinheiro.
Os amigos também sumiram. Aliás, amigos não. Colegas de escola, faculdade e pós-graduação. Ninguém o procura mais. Quando Gentil procura eles dão uma desculpa e encurtam a conversa. Os da pós-graduação atual só o procuram quando querem falar das aulas. Evitam contatos durante os quinze dias de intervalo. Só tem um amigo com quem conversa pela internet, mas que só dá conselho e revisa seus textos. Ajudar com uma indicação de emprego remunerado, nada.
Não é por falta de tentativa que Gentil não consegue as coisas. Já teve muito próximo de conquistá-las. Uma vez, ainda com pouco mais de vinte anos, esteve perto de ter um jantar romântico com uma amiga da primeira faculdade. Na entrada, ao ter a prudência de comunicar sua chegada ao porteiro, ficou sabendo que ela estava discutindo violentamente com o ex-marido. Gentil educadamente foi embora e nunca mais a procurou.
Na busca por um emprego de jornalista, Gentil teve várias vezes muito próximo de conseguir, mas sempre morria na praia, ou melhor, na entrevista. Já o seu blog só tem um visitante diário que parece o mesmo: ele.
Gentil convenceu-se de que é vítima de alguma maldição. Tenta imaginar se foi praga rogada por algum ex-namorado da sua mãe ou ex-namorada do seu pai, se foram alguns amigos invejosos, de alguma cigana que ele rejeitou na rua ou mesmo se foi a rigorosa diretora falecida do colégio onde ele estudou no primeiro grau.
Convencido e cismado, resolveu procurar uma mãe-de-santo numa vila escondida no bairro de subúrbio onde mora. Pagaria tudo o que tinha e o que não tinha para descobrir, desfazer e até devolver o serviço que lhe fizeram. Ainda bem que Mãe Teodorica da Majestade não cobrava tanto. Apenas cinqüenta reais pela consulta e cem pelo serviço, se necessário.
Na consulta, Mãe Teodorica identificou um Exu Tranca-Texto incorporado. Mas disse que o serviço para destruir seria impossível, pois o encosto foi evocado por ele mesmo. Em outras palavras, a culpa pelo insucesso profissional e sentimental de Gentil era dele.
Como boa vidente, a mãe-de-santo descobriu que Gentil não luta pelas suas oportunidades. Foi indelicado com outra potencial garota e até com a mesma mulher casada quando a reencontrou, só falava besteira nas entrevistas, não é disciplinado, é burocrático, escreve mal, não tem criatividade, é injusto e pedante com os amigos, não ajuda ninguém, é preguiçoso, preconceituoso e ainda obrigou os pais (mesmo que involuntariamente) a continuarem juntos por puro egoísmo financeiro.
Gentil educadamente deixou a tenda de Mãe Teodorica da Majestade, mas perdeu a gentileza ao ficar resmungando sobre ela. Foi procurar outra mãe-de-santo para tentar tirar a maldição que fez com que ele tivesse nascido uma pessoa tão ruim.