Conto das terças-feiras – Maria e José

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 3 de agosto de 2021

Maria e José, gêmeos, nasceram de parto normal, em um casebre sem espaço, em ambiente totalmente insalubre. Não contou nem com uma parteira leiga, isto é, sem ajuda alguma. Maria passou primeiro, poucos minutos depois veio José. E foi assim durante toda a vida dele, Maria sempre na frente.

A menina era esperta, colocava José no bolso. Procurava resolver todos os problemas da casa, se assim podemos chamar aquela minúscula edificação. Um quarto, um arremedo de cozinha e banheiro, feito de madeira e localizado no espaço externo daquele horror de moradia. Já o menino era uma preguiça só, dormia que nem um condenado, não queria fazer nada, nem mesmo acordar.

Graciosa e jeitosa, Maria, aos dez anos, ia com a mãe para a casa de dona Eglantina fazer serviços domésticos. A senhora não tinha filhos e gostava muito dela, tratava-a como filha e a cobria de mimos. Como o casamento da patroa não estava indo bem, houve a separação e dona Eglantina pediu para que a menina ficasse morando com ela. Teria estudo, boa alimentação, roupas e sapatos, poderia visitar a mãe nos finais de semana. Não era uma adoção, Maria seria uma companhia para a senhora que já ultrapassara os cinquenta anos de idade. Matriculada na melhor escola da cidade, resolvia os pequenos problemas da patroa e ainda lhe sobrava muito tempo para ler, pois aprendera rapidamente que a leitura a levava para lugares inimagináveis.

Enquanto isso, José permanecia estagnado, sabia muito pouco de leitura, não gostava, dizia ele. Trabalho também não era sua praia, gostava de fazer pequenos biscates, qualquer atividade de pouca importância e esforço. O pouco que ganhava gastava comprando besteira. Gostava de futebol, de bater uma bolinha no campinho próximo onde morava. Vivia com uma bola debaixo do braço, onde dava, lá estava ele brincando com a redondinha, que apelidou de “minha cherosina”, na verdade ela fedia muito, por falta de cuidados.

Os dois viviam distantes um do outro, pouco se comunicavam. José dizia que a irmã tinha vergonha dele. Não era para menos, enquanto ela andava bem-vestida, estudava em bom colégio e seus amigos eram pessoas da classe média, ele não passava de um molambento, maltrapilho. Por mais que sua mãe o obrigasse a tomar jeito, o garoto não dava bolas. Ganhava roupas usadas dos sobrinhos de dona Eglantina, ainda em bom estado, logo vendidas para os amigos a preço vil, para satisfazer suas vontades pessoais, cigarro e bebida.

Com a morte da mãe, Maria precisou tomar uma decisão, a de cuidar do irmão. A primeira providência foi colocá-lo em uma clínica especializada em recuperação de viciados em álcool, com o consentimento de sua patroa, que prometera custear todo o tratamento de José. A senhora sempre almejou um filho, e agora poderia ter esse desejo concretizado. Depois de curado, ela tentaria juntar os irmãos há mais de quinze anos separados.

Instalado em bom ambiente e sempre bem tratado, com visitas periódicas de dona Eglantina, uma santa mulher, como José a reconhecia, o antes alcoólatra, agora se mostrava forte e saudável. A senhora se orgulhava do sucesso do rapaz, de sua vontade de esquecer o passado e trilhar caminhos mais saudáveis, então começou a esquematizar o recebimento de José em sua casa, como morada definitiva. Sabia que seria um ato temeroso, mas acreditava que conseguiria. Alegrava-se da ideia de ter agora os dois filhos tão desejados quando ainda jovem e recém-casada. Maria não partilhava desse sentimento, não via com bons olhos dividir os agrados da bondosa senhora, com o irmão, já não o considerava assim.

Com a recomendação de alta, assinada pelo médico que cuidara de José durante onze meses, a caridosa senhora dirigiu-se ao quarto onde o moço passara os três últimos meses de seu tratamento, para informá-lo que daquela data em diante, ele fixaria residência em sua casa, junto com Maria, sua irmã. Assustado com a notícia, ele arregalou os olhos, não acreditando no que ouvira. Achava que aquela mulher era missionária e estava fazendo caridade com ele. Sabia que não daria certo morar com a irmã, uma garota cheia de preconceitos, de mimimis e arrogância. Não guardava boas lembranças dos tempos que moraram juntos na casa dos pais.

Aproveitando o descuido da senhora, José saiu de fininho do quarto e caminhou cautelosamente para a saída da clínica. Nunca mais foi visto por dona Eglantina. Esta, ao chegar a sua casa viu sobre a mesa um bilhete: “não posso viver na mesma casa com José.

O sonho de ter uma família com dois filhos não deu certo, mais uma vez. Agora definitivo!

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 04/08/2021
Reeditado em 06/08/2021
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