NARIZ DE MORANGO

Quando eu era guri e estava aprendendo a tocar violão, frequentemente o instrumento desafinava. Isso é comum, só precisa ser afinado novamente. Como eu ainda não sabia afinar, pois era apenas um iniciante, precisava levar o violão para algum músico experiente afiná-lo para mim. Na época, a afinação era feita de ouvido, o método raiz. Hoje em dia a tecnologia ajudou os iniciantes, que usam os afinadores eletrônicos. Eu não conhecia músicos no meu bairro que pudessem me ajudar com a afinação do instrumento, mas um amigo me falou que conhecia um; o senhor Mazinho.

Meu amigo disse que sabia onde o músico morava e me deu o endereço dele, mas fui alertado que o velho era meio “brabo”. Fiquei sabendo que o homem tinha problemas com alcoolismo, vivia sujo, fedido e bêbado. Além disso, fumava palheiro e o cheiro era insuportável. Mas eu não tinha alternativa, precisava muito afinar o violão, caso contrário não poderia seguir estudando o instrumento. Não se consegue tocar nenhum instrumento desafinado... fica sem harmonia, sem melodia, e aí, não sai música; só barulho mesmo. Em menos de cinco minutos se afina um violão.

Peguei o meu violão e me dirigi para a casa do senhor Mazinho. Meu amigo me convenceu que o velho músico era muito bom, apesar dos problemas que ele possuía. Quando cheguei à casa do homem, fui logo tocando a campainha. O velho apareceu na janela... ele era muito feio; me deu até medo. Veio até o portão para me atender; e da maneira como caminhava, dava para perceber que estava embriagado. O cheiro forte de cigarro e álcool chegou antes dele. De cara fechada, aquele velho medonho me perguntou o que eu queria, olhando para mim e para o violão que eu carregava.

Cumprimentei o senhor Mazinho, desejando boa tarde e perguntei se ele poderia afinar o meu violão. Contei a ele que estava aprendendo e tal. O velho músico, com sua camisa aberta, peito peludo e cara de poucos amigos, pegou o instrumento da minha mão e começou a tocar as cordas... uma a uma. Mexia nas tarraxas do violão, esticava aqui, frouxava ali e de repente, se pôs a tocar uma bela música. E como tocava; fiquei impressionado. Ele tocava e cantava muito bem.

Enquanto o senhor Mazinho dava um show no portão de casa, eu não pude deixar de notar o como era esquisito seu nariz. Era igualzinho a um morango. Juro que parecia um enorme morango maduro. O velho músico nem era tão feio assim, o problema estava na infeliz estrutura-estética do nariz, com formato, textura e cor idêntica a da fruta. Confesso que fiquei com pena do homem. Percebi que o velho era uma pessoa do bem. Um grande músico, um grande coração e um grande nariz também.

Mazinho acabou me dando várias dicas sobre violão. Passei a visitá-lo com certa frequência e assim, aprendi muito com ele. Com o tempo, aprendi também a afinar meu violão. Foi uma grande conquista. Sou muito grato ao Mazinho nariz de morango; ele nunca me cobrou pelos seus ensinamentos e afinações. Ele tinha prazer em ensinar e gostava de mostrar a sua arte, tocando e cantando. Passei a admirá-lo como o grande mestre que era. O tempo foi passando e um dia, recebi a triste notícia que o Mazinho nariz de morango tinha morrido por complicações causadas pelo excesso de álcool e fumo. Hoje, lembro-me dele com muito carinho. Um amigo. Um músico excepcional. Um mestre da música. Salve Mazinho nariz de morango!

Adriano Besen
Enviado por Adriano Besen em 24/06/2021
Código do texto: T7285863
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