Razão para sorrir
Caído em desgraça, apesar de sua bonança social por seu nobre status, vivia macambúzio sem razão aparente. Não era casado, tampouco tinha filhos. Vivia sozinho numa pequena casa opulenta tal qual a joia mais rara num jardim de diamantes. Na desocupação rotineira, saiu à rua afim de tentar entreter-se com algo dela nata - preferiu a praça, sendo ela mais fácil de encontrar o que desejava.
Praça bem cuidada, movimentada, com banquinhos ordenadamente simétricos que ficavam de frente à grande fonte decorada com uma estátua de Ganimedes a derramar água de seu jarro com ornamentos dourados.
Parou numa esquina e ficou a observar.
Crianças brincando, senhores apressados com suas malas para lá e para cá, mulheres também apressadas, portando livros, em sua maioria e, os responsáveis pelo espetáculo praçal: os vendilhões.
Gritavam esgoelando-se para melhor anunciar suas quinquilharias. Havia jornaleiros, doceiros, muambeiros. De tudo! Alguns - os mais criativos - montavam barraquinhas humildes de valor, mas de valorosos produtos: artesanatos! O homem via de longe as coloridas peças antropomórficas de madeira, de pano, de tudo. Também via outros e outras vendendo correntes, pulseiras e mais.
Apesar de muito rico, era uma pessoa que dispensava, diferente dos "amigos", grandes farras e gastos supérfluos de dinheiro. Uma pessoa taciturna. Porém, quando lá via aquelas coisas, não conseguia não emocionar-se e se deixar levar por uma vontade inexplicável: se dirigia até aqueles artistas e, tendo grandes bolões de cédulas nos bolsos, dava-lhes sem sequer pedir troco, em troca dos produtos. Todos para ele? Não. Queria exceder mais aquela sensação rara de prazer: distribuía às crianças maltrapilhas da praça.
Era assim que aprazia-se das faltas da vida: amenizando as faltas da vida daqueles que não tinham nada.