Filho da Mãe
19.06.2021
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Moramos, eu e minha esposa, um período com a minha mãe no apartamento em São Paulo. Viúva cuidava da banca de jornal que eu comprara tempos atrás – resolvera eu mudar de ramo e não dera certo, mantendo a banca para ela. Foi ótima essa ocupação, meu pai falecera e a forma de como ela enfrentar a perda de mais de 50 anos de vida juntos.
Conviviam, e convivem bem as duas, pois são de sangue tedesco - minha mãe, por parte de pai e minha esposa, de pai e mãe. Conversavam em alemão sobre a minha maneira de ser, nada tendo em comum com a rigidez e sobriedade germânica. O sangue rebelde calabrês do meu pai imperava, e impera na minha personalidade.
Sempre gostei, e gosto de usar roupas velhas e gostosas - que se amoldam bem ao corpo, largas, macias, quase uma carícia, e tinha algumas que sempre usava, fizesse sol ou chuva, mesmo com furos, puídas ou desbotadas. Vendo-me com elas, falava-me minha mãe inconsolável:
-Fernando põe uma roupa melhor. Você assim vestido parece um maloqueiro. Não sei para quem você puxou? – com a concordância da minha esposa, que ria mudamente.
As jogava fora e eu notava, perguntando-lhe onde estava a tal camisa, calça, enfim a peça de roupa que adorava e não a encontrava mais no guarda roupa:
-Que camisa? Não sei você deve ter deixado no clube – respondia ela, sabendo eu que dera um fim a roupa, pois certamente não a deixara no clube.
Em certas ocasiões, emprestava - me o seu carro, e o usava sem me preocupar em repor a gasolina. Coisas de filho maloqueiro.
Um dia, saí com ele pela manhã logo cedo e estava o combustível quase na reserva. Fiz o que tinha que fazer e retornei. Subi ao apartamento encontrando com a minha mãe toda arrumada - sempre vaidosa, fosse para ir a qualquer lugar:
-Oi, vou usar o meu carrinho agora, tá – diz ela entrando no elevador.
Tive que ir também resolver um assunto que demorou quase todo o resto da manhã daquele dia, voltando passada um pouco da hora do almoço. Estavam sentadas à mesa conversando. Minha mulher olhava-me risonhamente. Minha mãe, de cara fechada.
-Oi. Demorei um pouco, mas tudo resolvido - sentando-me com elas.
-Que bom querido – fala risonha minha esposa.
Minha mãe, sem me encarar, diz de forma incisiva e firme:
-Toda vez que você usa o meu carro, deixa ele sem gasolina. Não vou te emprestar mais!
-Ah mãe, desculpe, é verdade, desculpe. Olha põe gasolina então – tirando da carteira uma nota de cinquenta reais.
-Quem tem que colocar é você!
-Tá bom. Coloco depois do almoço tá?
Ela concordou e nossa refeição seguiu com cada um contando as suas atividades na manhã.
Depois, minha mulher me chamou para o nosso quarto, fechou a porta e começou a rir.
-O que foi? – perguntei curioso pelo seu longo e gostoso riso.
-Muito engraçado o que aconteceu hoje. Enquanto você esteve fora, sua mãe voltou brava, mas brava, muito brava, me olhou e disse raivosa:
-Meu filho é um filho da puta! Usa o meu carro e acaba com a gasolina. É um filho da puta mesmo!
-Mas Maria, esta xingando você mesma!
-Ah é, tem razão, é verdade. Ele é um filho da mãe então – começando a rir da situação, percebendo que falara intempestivamente uma bobagem.
Escutei a história e ri também. Saí do quarto para ir colocar gasolina no carro, encontrando com a minha mãe na sala, deitada no sofá para a sonequinha da tarde, perguntando-me:
-Aonde você vai?
-Por gasolina, né.
-Ah, seu filho da mãe – respondeu rindo.
Continuei usando o seu carrinho, mas não o deixando sem gasolina. E, continuo sendo um filho da mãe.
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