Conto das terças-feiras – O bode que não nos deixava dormir
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 15 de junho de 2021
Eu nunca morei em sítio ou fazenda, sempre na cidade. Quando fui trabalhar em Belém do Pará, já casado e com três filhos, comprei um apartamento em um edifício de onze andares, próximo à Praça da República. A estrutura do prédio era composta de dois apartamentos por andar e o meu era um dos localizados na parte posterior à entrada, no sexto andar. Tinha uma bela vista, que dava para a Baia de Guajará, formada pelo encontro da foz dos rios Guamá e Acará, que banha os municípios paraenses de Barcarena e Belém. Suas águas correm para a baía do Marajó.
Esse edifício foi construído em terreno de velhas casas residenciais que, depois da demolição de algumas, restou apenas uma localizada exatamente no seu lado de trás. Era uma casa grande, e seu proprietário e sua grande família, era dono de fazenda. Quase todo final de mês, de retorno da fazendo, trazia pequenos animais, como galinhas, patos, para o Círio de Nazaré, porcos e outros, que ficavam alojados em um pátio nos fundos da casa, fazendo fronteira com o prédio. Nessa residência ele ainda criava dois galos, alguns pombos, três papagaios, um peru, para a ceia de Natal, dois cachorros, três gatos e alguns coelhos, que ficavam o dia todo fuçando, educadamente e em silencia, por toda a casa.
Foi difícil nos acostumarmos com o barulho que os pequenos animais faziam, principalmente pela manhã, com o galo a cantar e as galinhas a cacarejar. Logo em seguida os dois cachorros latiam e os papagaios soltavam a voz a taramelar. Felizmente, lá para o final do mês as galinhas emudeciam, diariamente uma ia para a panela, para, no início do mês seguinte, começar tudo novamente. Apesar dessa confusão conseguimos suportar esse sofrimento por longos três anos. Aquela barulheira já funcionava como música erudita, cada animal cantando sua ária separadamente, e com acompanhamento por coral.
Certa noite, já tentando dormir, deparamos com um som estranho vindo do quintal dos vizinhos. Parecia uma criança chorando, e alto. Depois de abrirmos a janela do nosso quarto, percebemos que o som que ouvíamos era bééée, isto é, de um bode a bodejar.
— Aquilo já era demais, falei baixinho para a minha esposa.
Esperamos alguns minutos para saber se o berrar continuaria, se eles dariam um jeito de fechar a boca do inoportuno bode. Passadas duas horas contadas em relógio, a situação não mudara, e nós acordados e com bastante sono. Com os nervos à flor da pele, procurei saber o endereço da dita casa e, de posse do seu número, fui pesquisar no catálogo o número do telefone da família. Demorou, mas achei. Imediatamente telefonei e alguém do outro lado perguntou:
— Alô, com que você quer falar?
Eu, bastante indignado, respondi:
— Béééé, béééé, béééé!
— Acho que é o João, com brincadeira, disse a voz do outro lado.
— Béééé, béééé, béééé! Intervi.
— Deixa de brincadeira, João, vá dormir!
— Béééé, béééé, béééé! Nova intervenção.
Do outro lado parece que alguém havia tomado o telefone para si, com voz grossa falou:
— Se não é o João, deixe de brincadeira, aqui mora uma família que precisa dormir.
Do meu lado respondi com um sonoro:
— BÉÉÉÉÉÉÉÉ!, até perder o fôlego.
Alguém mais sensato falou para os que estavam ao seu lado:
— Deve ser algum vizinho incomodado com os berros do bode.
O telefone foi desligado bruscamente e o que se ouviu foi gente, já no pátio/quintal da casa, tentando amarrar o bode. Depois o silêncio, se não mataram o animal, conseguiram amarrar a boca do coitado.
A partir dessa noite conseguimos dormir sossegados, sem ouvir bichos chorando por comida e nos despertando nas madrugadas. Ficamos sabendo que o nosso vizinho transferira seu zoológico barulhento para outro local, graças a Deus!