A Carta do Coroné Aloísio
Como mandara o coroné Aloísio, Bené Mendes, calejado velho oriundo do Piauí, levava uma carta para o chefe da Paróquia de Catarina. Bené, desde menino muito ousado e atentado, depois de já andado muito e bem distante do casarão do carrancudo maioral, tentou averiguar o conteúdo da carta... Pra quê? Não sabia ler. Às vezes esquecia desse detalhezinho. Pelo menos propiciou gargalhadas a uma professora - coisa rara por ali - que passou e achou estúrdio aquele cabra velho levantando o papel de um jeito estrambólico e que parecia o mesmo estar o lendo... Mas de cabeça pra baixo. Pois muito bem, chegando lá na porta da matriz, encontrou o padre Inácio sentado rodeado de umas duas dezenas de crianças e pré-adolescentes. Era a tal da catequese. A escola estava fechada depois de lá ter desabado o teto duma sala num sábado e estavam há alguns dias esperando uma equipe contratada pela prefeitura para reformar o local. Como não estavam a ter aula, o padre sugeriu que, nas manhãs dos dias comuns, quando não havia nada celebrativo na igreja, elas podiam usar o espaço para algumas aulas mais simples e, ao terminar, aproveitar a deixa para participar das aulas catequéticas dele. Cena nostálgica para seu Bené, lembrou-se quando ia às tardes à mesma igreja e escutava sua monitora ensinar-lhe a rezar o terço e coisa do tipo. Quis até chorar de saudade da sua mocidade, mas não admitiu qualquer liquidozinho escorrer de seus olhos e aprumou-se; sentou num dos banquinhos e esperou terminarem. Quando isso ocorreu, nem precisou ir ao padre, pois foi ele quem chegou o abordando. Já o tinha visto há uns dez ou vinte minutos lá e sabia que o roceiro queria algo.
- Aqui, seu páde, coisa do patrão.
Deu pra ouvir um "viiiixe" vindo do sacerdote.
- Deus te abençoe, meu fi. Vá com Ele e a Virgi Maria!
E foi-se o arengueiro.
Lá dentro, no escritório, o padre suava de nervosismo...
Ou aceitava o que dizia Aloísio, ou, não só a igreja, como também, bem possível, metade da população, sofreriam. Coisa da paróquia sofrer grandes retaliações. Da água ficar sem devido abastecimento de água. De não poder mais comprar carne porque os preços aumentaram abusivamente. De gente ser expulsa das casas dadas pelos atos caridosos do coroné...
Ficou entre escolher o sacrilégio à casa de Deus ou a ira daquele um terreno "deus"...