Maria Psicóloga
Maria abriu a porta do seu consultório, era seu primeiro dia depois que pegou o canudo. Estava tudo perfeitamente decorado, a mesa de madeira de demolição era revestida de resina cujos buracos foram preenchidos delicadamente de cor azul cintilante e mais parecia um rio entre as frestras com suas curvas naturais de madeira velha e morta.
Seu divã era de uma cor neutra, um tom pastel que combinava perfeitamente com a suavidade do papel de parede que tinha leves traçados em formato de mandalas. A sua poltrona era da cor café com leite, igual à cor da cortina que ia do teto ao chão e havia ainda uns potes de barro delicadamente pintados de azul turquesa com gravuras de borboletas de todas as cores adornando o canto, rente à cortina.
Atrás do divã um relógio grande de resina azul com dourado, acompanhando a mesa. Do lado oposto da sala uma obra de Beatriz Milhazes contrastava com todo o restante da sala, impondo um ar de riqueza e sofisticação ao ambiente.
Maria havia gasto todas as economias de sua vida na decoração de seu consultório, gostaria que seus pacientes se sentissem confortáveis para relatar suas mazelas mais profundas e, assim quem sabe, ela conseguiria consertar suas almas quebradas.
Ela sempre quis ajudar a construir um mundo melhor, seu sonho de infância era esse e ela agora tinha a oportunidade de fazer a diferença, lidar com pessoas, dar tudo de si. Leu tanto Freud e Lacan que era capaz de escrever um tratado sobre eles.
O primeiro paciente chega trazendo uma mãe que não o amava. O segundo trouxe uma mãe que o menosprezava. O terceiro trouxe uma mãe que o agredia. O quarto trouxe uma mãe que o amava, mas amava mais ao amante. O quinto trouxe a orfandade. O sexto trouxe uma mãe que ele odiava. O sétimo trouxe uma mãe em quem ele batia.
No segundo dia atendeu mulheres que odiavam suas mães. Uma mãe era repulsiva. A outra mãe era louca. A outra era psicopata. A outra insensível. A quinta mãe era ausente. A sexta mãe era cleptomaníaca. A próxima trouxe uma mãe com quem não conversava. No fim do expediente ela não queria mais ouvir falar das mães.
No terceiro dia atendeu crianças cujas mães ficavam o tempo inteiro no celular, que não bricavam com seus filhos, que não ensinavam a fazer tarefa, que não deixavam jogar videogame, que não ficavam em casa, que brigavam com seus maridos, que gritavam muito, que estavam sempre nervosas, que mentiam, que não cumpriam acordos, que beliscavam, que puxavam cabelos, que tinham ataques de pânico, que eram indiferentes aos seus filhos, que estavam deprimidas.
No quarto dia Maria enlouqueceu. Foi vista pela última vez pulando de um viaduto no centro de São Paulo.
Do meu livro: Como morrem as Marias