A doçura viaja de ônibus

Logo chegaria.

Sempre no pingo do meio-dia, à hora em que o galo outra vez cantava, como se anunciasse a morte às plantas esmorecidas por falta d'água. O mormaço aquecendo tudo, quase não se deixava enxergar a estradinha no fim da rua, e ao se olhar bem longe, podia sentir o chão de tanto calor tremer. Era aquela hora, da grande espera.

O feijão macassar fervia no pequeno fogo à lenha feito lá fora no quintal, e os pratos à mesa junto aos talheres embaixo do pano de prato, branco e quarado, saído da faxina feita de varas cobriam também os copos de alumínio.

Logo a visita chegaria, estava mais perto que tarde.

A casa estava arrumada. Na sala, os tamboretes lado a lado e uma poltrona feita de ferro, coberta por fios plásticos esverdeados era o lugar mais aconchegante reservado à visitas. A cadeira parecia ser a única coisa verde naquele tempo amarelo árido. Na sala, ainda havia uma rede estendida, onde o filho único da visita, estava deitado a se balançar enquanto a mãe aguardava.

Meio- dia e pouco, sua esposa olha outra vez pela meia-porta, costume das pequenas casas do interior do sertão pra fazer as vezes de janela e deixar a gente pequena subir os pés pela tábua de sustentação para espiar lá fora. As crianças ansiosas, toda hora observavam pela janela, à espera das boas novas, assim como a tia, a avó, o filho e toda a família tanto amavam: a grande visita.

De repente, as crianças que já não aguentavam esperar penduradas à porta, saiam para a calçada e gritavam:

_Lá vem o ônibus da Jardinense!!

No final da rua, um ônibus velho e empoeirado parecia nunca chegar ao destino, pois parava de casa em casa , para que os passageiros descessem. E à vez que retornava a se movimentar a gente podia já sentir o cheiro da visita ,o abraço carinhoso, ouvir a voz dela a nos perguntar:

_ Como tá tudo aqui minha gente? E sua avó? Cadê meus netos? E sua mãe? Como tá comadre?

O filho menor na rede dormia, suado pelo calor exaustivo. O menino do meio e a irmã mais velha estavam já com os primos na calçada.

O ônibus enfim chegava e nossa memória de doçura reverberava numa voz forte e grave:

_ Oi minha gente! Que calor é esse, minha filha?_ Dia dona Edite esbaforida, ainda nis degraus do ônibus

Enfim Dona Edite chegava. De pele morena, os cabelos curtos, pretos brilhantes e encaracolados. Usava óculos de grau, e com um lenço limpava o suor da testa. Abraçava os netos e pedia ao cobrador pra abrir o maleiro e tirar sua bagagem.

O filho que já tinha levantado da rede vinha e dizia:

_ A bênção mamãe?

_ Deus te faça feliz meu filho! Com amor Edite respondia e abençoava. Dava-lhe beijo e pedia para trazer a bagagem. Seriam malas?

As crianças sabiam, o doce, a cor da vida , o perfume , o cuidado estavam ali guardados.

E o bagageiro do velho Jardinense se abria, e saía de dentro balaios e caixas. Dentro delas mangas grandes e doces, e outras coisinhas que para as crianças não importavam.

A avó Edite trazia sabor e gostosuras, esperança em fartura que fazia as crianças desdenhar o feijão e o caldo, e preferirem de almoço, as frutas, para se lambuzarem, enquanto a avó Dona Edite, na poltrona verde sentava para conversar, saber e contar as novidades, pois seria por pouco tempo, logo às três horas da tarde, quando o galo teimoso cantasse saudade , ela se despedia, ia pra calçada, pois o velho ônibus já retornaria de sua rota e para o sertão outra vez a levaria.

As crianças de barriga estourando e bocas lambuzadas das mangas, davam adeus, e já contavam os dias para esperar a visita que trazia amor, afago, e mangas doces. A visita que passava do meio- dia pra tarde, sentada na cadeira de fios verdes e boas histórias contava.

Um ônibus rangendo pela estrada, velho e empoeirado, chegava e trazia mais que passageiros, trazia o amor, transportava pequenas lembranças, a grande felicidade.

Paula Belmino