A Noite No Necrotério

Passava da meia-noite quando a recém contratada Laís estava diante de um cadáver de um homem de idade avançada com seus 60 e poucos anos, esse corpo pertencia ao senhor Castro Neves um importante banqueiro da região que havia morrido naquela mesma noite de um aneurisma. Laís tinha sido chamada as pressas para maquiar e preparar o corpo para o velório que toda a família e amigos o esperavam. Entrando na sala de necrotério ela se ver sozinha apenas com o corpo daquele homem que estava despido da cintura para cima. O defunto tinha uma barba por fazer, cabelos grisalhos cumpridos da altura do ombro, o rosto marcado por um espanto e uma boca entre aberta de onde via os seus dentes brancos. Aproximando-se com o aparelho de barbear rosa, ainda atônita, pois era sua primeira vez. Ela viu os olhos do defunto abertos, olhos estáticos, petrificados e sem vida que encarava o teto a sua volta, assustada recusou-se chegar mais próximo do corpo, porém ela tinha que realizar o trabalho, pois esse fora o único até agora encontrado. E tomando um fôlego e buscando coragem no interior da alma ela fechou as suas pálpebras e também sua boca.

Depois fez uma primeira análise no corpo que um dia pertencera a Castro Neves. Olhando minuciosamente depois de olhos e boca fechada, o homem parecia que estava dormindo um sono profundo e a qualquer hora ele poderia acordar. Agora ele tinha um rosto mais sereno do que antes. Ainda com as mãos trêmulas ela pegou o pequeno aparelho de barbear e passou delicadamente na barba rala do defunto. O tocou a primeira vez e teve medo de machucá-lo, passava suavemente a lâmina sentindo que estava barbeando alguém ainda vivo e no passar da lâmina em seu rosto imaginava se aquele homem tinha sido um bom marido, um bom pai ou um bom cidadão. Refletia sobre a finitude efêmera da vida de como seres cheio de vontades, desejos e ambições são interrompidos bruscamente por uma morte tão repentina. Imaginava que aquele homem que um dia fora detentor de tanta riqueza, bens e poder agora está indefeso, seminu em uma sala fria com uma estranha fazendo a sua barba e seu cabelo sem poder questionar nem um trato jaz com ele.

Depois passou para o cabelo e agora sem medo ela o via como um conhecido e ia imaginando como a vida pode ser curta e ao mesmo tempo esplendorosa. Cortando os seus cabelos com o mesmo capricho com que fizera a sua barba, ela ia contando as amarguras de suas vidas e confessando desejos ainda não realizados para alguém que a não escutava, ela ao menos tinha certeza que todos os segredos que ela havia contado o defunto ia levar consigo ao túmulo. Com cabelos e barbas feito ela o coloca o seu melhor terno. O terno que a família havia escolhido para ocasião. Finalizado todo o processo o maquia para deixá-lo com o rosto mais agradável e observa com o espanto, não o mesmo espanto que teve quando o viu pela primeira vez, mas com a admiração que tinha um feito um bom trabalho para o seu primeiro dia no novo emprego. Com um aspecto mais agradável, Laís via o Senhor Castro Neves como ele fora em vida e nutria um carinho fraterno com ele, como se o mesmo fosse um avô. Imaginou que um dia iria vê-lo de volta como se fosse um cliente pronto para outra sessão de corte de cabelo, mas lembrou-se que agora era cabelereira de defunto e tinha certeza que não tornaria vê-lo. Ela sai silenciosamente do necrotério e deseja para aquele homem desconhecido uma boa viagem para o além. E de repente sente uma saudade daquele momento, pois segundo ela o primeiro cadáver a gente nunca esquece.

Meu primeiro conto aqui no Recanto das Letras.

Davi Freitas - 12/06/2021

Kaynne
Enviado por Kaynne em 12/06/2021
Reeditado em 08/01/2022
Código do texto: T7277306
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