O9 DE JUNHO, DIA DO PORTEIRO.

Ataliba acordou assustado. -"Diacho.O celular não despertou. Essa coisa cheia de aplicativos, não me dou bem com essas coisas modernas." A esposa dormia o sono dos justos. Um banho rapidinho. -"Estou atrasado. De manhã a hora voa, passa muito depressa." A água gelada caiu nas costas. -"Caraca. A resistência queimou." O uniforme bem passado. O boné da portaria. O sapato social brilhando. O crachá. A bolsa do tricolor carioca. As chaves. Os óculos. Livro de auto ajuda. A Bíblia de bolso. Os remédios da pressão. -"Tenho que passar na lotérica da avenida pra fazer uma fézinha na mega sena." Ele olhou no relógio da parede da cozinha. Quis um café mas a garrafa térmica estava vazia. -"Faço um café no trabalho! É o jeito." A caixa de pão vazia. Colocou um pacote de água e sal na bolsa. A geladeira. -"Marilda esqueceu de fazer minha marmita. A coitada anda atarefada e deve ter se esquecido pois a irmã está passando mal. Tudo bem, eu peço um lanche no Ifood." Pegou uma laranja e uma banana na fruteira. -"O ônibus passa as cinco da manhã. Estou atrasado." A neblina. Frio de dez graus. -" Se ao menos a padóca estivesse aberta. Só abrirá as seis." Um catador de recicláveis na rua, acompanhado de três cachorros. Quatro quadras até o ponto de ônibus. -"A máscara! Esqueci da máscara." Ataliba voltou pra casa. Procurou as chaves na bolsa. A chuva caiu de repente. A digital no sensor da porta. Apitou várias vezes, negando seu acesso ao hall. Saiu de guarda chuvas e com a máscara, tempo depois. Correu um pouco pra não perder o ônibus. Os óculos embaçados. A esquina. O ônibus saindo do ponto. Ataliba fez sinal para o motorista parar. -"Bom dia. Deus o abençoe, motor." O ônibus lotado. Duas mulheres atrás dele, conversando sem parar. Alguns rapazes falando sobre futebol. Vinte e dois minutos de viagem. A praça do centro. A cidade escura. Alguns jovens retornando de baladas. Ataliba desceu. Fez o sinal da cruz em frente a matriz. A empresa. Estava há três anos na portaria. Uma rotina de doze horas. Estava acostumado e era querido por todos. As pranchetas, o telefone, Nextel e rádio amador. O controle de profissionais terceirizados. Os visitantes e prestadores de serviço. As sete chapeiras com cartões dos funcionários. As entradas de veículos. -"Hoje será um dia daqueles. Vão chegar três carretas de aço. Os extintores serão levados para reabastecimento. Terei que marcar tudo certinho." A chuva forte. Ele pisou num buraco cheio de água. A meia encharcada. A portaria. O rádio ligado. Os dois colegas da noite conversando. -"Bom dia. Chegou o porteiro, o cartão de visitas da empresa. Tudo bem no posto?" Os dois olharam espantados. -"Ataliba? Que faz aqui?" Perguntou o novato Adriano. -"Trabalhar, homem de Deus. Meu nome é Ataliba, sobrenome é trabalho." Os outros riram. -"Pois está trabalhando demais, cabra. Hoje é sua folga." Ataliba foi até o calendário na parede. -"Folga? Rapaz, é verdade. Hoje é dia nove." Ele jogou a bolsa na cadeira. -"Rapaz. Uma chuva dessa, bom pra ficar na cama. Eu aqui, perdido e atrapalhado." Adriano o consolou. -"Acontece. Estou saindo e lhe dou uma carona. É fora do meu itinerário mas você merece!" O dia clareou. Ataliba chegou em casa, tempo depois, após tomar café com Adriano na padóca. A sacola com pães quentinhos. -"Que fita! Ao menos choveu pra melhorar o ar e peguei pão quentinho." FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 12/06/2021
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