Conto das terças-feiras – Capela mal-assombrada
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 8 de junho de 2021
Foi a partir do início do Século XX, pelo bairro de Jacareacanga, que Fortaleza experimentou o surgimento de casarões e palacetes, construídos por ricaços, em grandes áreas, como demonstração de pujança e sofisticação replicando os casarios da Europa em solo cearense, na chamada “Belle Époque”. Esses poderosos, que se enriqueceram com os negócios do algodão, construíram mansões e sobrados para abrigarem suas numerosas proles. Entre esses senhores vamos encontrar Valdomiro Barbosa, homem religioso ao extremo, devoto de Santo Onofre que, com sua esposa, mandara construir em seus domínios territoriais, ao lado do palacete que os abrigava, uma suntuosa e rica capela, em homenagem ao santo protetor da riqueza.
Infelizmente a riqueza do casal não durou muito e os Barbosas foram a falência. Não aguentando o baque, o chefe da família veio a falecer, seus oitenta de seis anos não suportaram a decepção de ver seu patrimônio dilapidado. Seus filhos, que estudavam na Europa, extremamente esbanjadores, foram obrigados a retornar ao Brasil. Envergonhados não vieram para Fortaleza, preferindo fixar residência no Rio de Janeiro. A viúva de seu Barbosa, fiel ao Santo Onofre, todos os dias orava em sua capela pedindo graças para cessar aquela situação. Sem condições de manter a majestosa residência esta foi se deteriorando cada vez mais, adquirindo um aspecto fantasmagórico. Somente ela e seu leal cão permaneciam naquele imenso terreno, nenhuma vivalma aparecia para visitá-los, nem mesmo os filhos, que a haviam abandonado por completo.
Em uma de suas visitas à capela, a viúva veio a falecer enquanto rezava. Ninguém deu por falta dela, somente o cãozinho que, encostado à porta do velho santuário, chorava todas as noites. Passados uns trinta dias, ao transitar pela calçada em frente aquele ambiente fantasmal, alguém pressentiu movimento estranho do lado de dentro da propriedade. O homem aproximou-se do muro e olhou, tentando distinguir o que se mexia por lá. O mato já havia tomado completamente os espaços ao redor das duas construções. De repente aparece à sua frente um cachorro esquelético se arrastando, que depois caiu morto. Assustado o senhor gritou, procurando saber se havia alguém dentro da casa. Sem resposta pulou o muro e começou a explorar o terreno. Primeiro procurou saber sobre a capela, poucos conheciam a sua existência. Cauteloso, empurrou a porta à sua frente deparando-se com uma figura estranha. Sentada em um dos quatro bancos existentes na nave da construção destinada ao culto religioso, de mãos postas uma mulher parecia rezar. Ele aproximou-se, tocou em seu ombro e não percebeu movimento nenhum. Novamente e com mais vigor tocou num dos ombros da senhora, nenhuma reação. Foi para frente dela, percebendo que estava morta. Em sua primeira avaliação calculou que fazia algum tempo que ela se encontrava ali. Assustado, o homem saiu correndo e gritando por socorro. Passantes, também assustados, ensaiaram correr, só contidos pelos esclarecimentos explicitados por quem acabara de sair de dentro daquele terreno. Aos poucos, curiosos se dirigiram para a capela e constataram a presença da mulher sentada e rezando, e em perfeito estado de equilíbrio. Seu corpo estava rijo, pele já não existia, estava em completo estado esquelético, assemelhava-se a um fantasma.
Chamaram a polícia e o instituto Médico Legal, para realizarem a perícia e retirarem o que existia do corpo daquela mulher. A área anteriormente fora isolada, para que não houvesse mascaramento dos exames periciais. A partir daquela data o casarão dos Barbosas teve sua capela considerada mal-assombrada e amaldiçoada. Lendas são contadas sobre aquele acontecimento, e ninguém se atreve transpor os muros da propriedade. Quem passa em sua calçada depois das dezoito horas, o faz com medo.
A construção continua lá até hoje, que por questões de inventário encontra-se legalmente impedida de qualquer alteração em sua estrutura. Até parece que os herdeiros desistiram de acompanhar o processo, temendo que algo aconteça com eles.