A Ponte, o Túnel e a Coroa

01.06.2021

358

Envelhecer é se transformar em todos os sentidos. Nossos músculos ficam fracos, a pele enruga, os dentes amolecem, as bochechas, o nariz e as orelhas se alongam pela força da gravidade, nosso corpo se encurva, e assim por diante. É irreversível.

Minhas orelhas e nariz ainda se mantêm do mesmo tamanho, as bochechas estão se delineando com dois vincos fortes no rosto, mais parecendo um buldogue, e o papo crescendo como o de um peru. Mas, os dentes são o meu martírio. Eles me dão sustos inesperados e em situações constrangedoras.

Assim foi ao visitar em final de semana a um amigo antigo, do tempo em que trabalhávamos juntos em equipe de auditoria em contrato com a Petrobras, viajando por todo o Brasil.

Estava eu em São Paulo e ele mora em um belo condomínio em Embu Guaçu, convidando-me para passar o domingo em sua casa, com churrasco que faria especialmente para mim.

O trajeto para chegar até a sua casa adentrava pelas cidades de Itapecerica da Serra e Embu Guaçu, por estradas vicinais que nunca havia passado, e depois de mais de hora e meia de viagem, consegui chegar ao seu refugio, em local agradável, arborizado, um condomínio de casas em área de antiga fazenda. Delicioso o lugar.

Sua casa era grande, bem localizada no terreno, com a área social voltada para os fundos com a mata nativa integrada à construção. Tinha varanda com o pé direito alto, telhado madeirado e paredes em tijolo de barro aparente, muito aconchegante. Ali, estava a churrasqueira, a mesa com bancos em madeira bruta, o forno para pizza, o fogão à lenha como um perfeito caramanchão interiorano.

Sentamo-nos à mesa e a conversa se foi em lembranças daqueles ótimos tempos em que viajávamos juntos. Fazia alguns anos que não nos encontrávamos e muita historia aflorou, regada a queijo, azeitonas e claro, cerveja gelada que nos amimava. Sua esposa acompanhava nossos causos daquela época. Eu estava sozinho; a minha mulher, que ele conhecia, ficou em Florianópolis, uma pena, pois iria adora a casa, o local e a comida.

Meu amigo, com a sua silhueta arredondada, de altura mediana, óculos, de fala mansa, pausada e calma, sempre com um sorriso na face, mantinha a sua personalidade agregadora e meiga. Riamos das nossas aventuras nas viagens daqueles bons tempos.

O churrasco se efetivou, a carne estava ótima e comemos bem. Levei bombons de chocolate com recheio de creme de amêndoas para tomarmos com café, pois não se deve chegar de mãos abanando, como dizia a minha mãe, não é de bom tom.

Ao morder um dos bombons, senti que algo acontecera na minha boca. Tateei com a língua um dente restaurado com uma ponte fixa: ela caíra!

Procurei-a na boca e a senti junto com o bombom. O seu volume rolava e gradativamente foi se destacando. Não a engoli, ainda bem. Peguei-a na boca e comentei na mesa:

-Minha ponte caiu!

- O que? Sua ponte? – fala o meu amigo rindo.

-Sim olhe aqui ela – mostrando-a na mão rindo também.

-Caramba “Cera”, está com a boca mole é? – brinca.

-Pois é, está tudo mole, coisas da idade. Tempos atrás eu tirei um dente deixando um buraco que mais parece um túnel, e agora a ponte cai, a coisa esta feia na minha boca!

-E você é engenheiro civil, hein.

Nossas risadas alertaram a sua mulher que estava na sala, vindo saber da graça, e meu amigo lhe contou o fato. Rimos bastante. Deixei a minha ponte em um pedaço de guardanapo de papel sobre a mesa e a conversa continuou.

Chegou a hora de voltar para casa. Despedimo-nos, entrei no carro e sai pelas ruas do condomínio, quando senti com a língua o vão da ponte. Voltei correndo, pois poderia estar no lixo. Parei o carro no gramado e bati na porta da casa dele, que abriu espantado perguntando-me:

-Esqueceu alguma coisa?

-A minha ponte em cima da mesa – entrando eu afoito pela casa em direção à mesa na varanda. Estava lá, embrulhada no papel, intacta. Ele ria com a sua esposa e disse:

-Teve sorte, pois se ela tivesse começado a limpeza da bagunça, já estaria no lixo.

Na semana seguinte ao fato, estava passando pelos meus dentes o fio dental, quando no molar inferior direito, que possui uma bela coroa, saltou.

-Caramba, não é possível. Agora me cai a coroa, que fase – exclamei bravo.

Coloquei a coroa junto com a ponte em um pote de vitaminas vazio para levá-los à dentista em Florianópolis e recolocá-los.

Envelhecer é isso.

Venda do meu livro *VIM, VI E GOSTEI* :

MAGAZINE LUIZA (físico)

https://www.magazineluiza.com.br/livro-vim-vi-gostei-viseu/p/ka747j24he/li/coec/

AMAZON (físico e digital)

https://www.amazon.com.br/Vim-gostei-Fernando-Ceravolo-FIlho/dp/655674574X/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&dchild=1&keywords=9786556745749&qid=1610107259&s=books&sr=1-1

SUBMARINO (físico)

https://www.submarino.com.br/produto/2728986669/livro-vim-vi-gostei?pfm_carac=9786556745749&pfm_page=search&pfm_pos=grid&pfm_type=search_page

GOOGLE (digital)

https://play.google.com/store/books/details?id=A1kXEAAAQBAJ&gl=br

BARNES&NOBLE (digital)

https://www.barnesandnoble

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 03/06/2021
Reeditado em 03/06/2021
Código do texto: T7270814
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.