UM BUQUÊ PARA DUAS

UM BUQUÊ PARA DUAS

BETO MACHADO

O tempo passa muito rapidinho. Amaro observa, aparentemente, tranqüilo. Mas no seu interior ocorre uma ebulição. No fundo, isso acaba sendo natural na cuca dos pais que vêem se aproximar o dia do casamento de filha. É um evento único, mesmo que tenham mais que uma. Amaro e Aparecida só têm Dalva. Cada dia amanhecido toma de assalto a mente do casal zeloso pela família.

Ele tem adoração pela filha, porém não esconde que torceu pra que viesse um menino, durante a gravidez de Aparecida. Pensava em bater bola com filho adolescente; levá-lo pra uma escolinha de futebol; vê-lo brilhar com a camisa do seu clube de coração... Perdeu a aposta mas ganhou uma criatura maravilhosa.

Os vinte e um anos de Dalva a impulsionaram para os estudos, para o trabalho e para o amor familiar. O que enche os pais de orgulho, exposto e decantado por onde passam. Hoje, recém formada em direito, Dalva brilha num escritório de advocacia, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Filha única, Dalva não se incomoda com as recomendações diárias, de sua mãe, desde quando passou a ir sozinha para o colégio de ensino médio; até hoje, ao sair para trabalhar, o texto é o mesmo.

¬¬¬___ Só atravessa a rua na faixa, heim; não aceite nada de ninguém que você não conheça; nada de bolsa nas costas.

Para qualquer outra jovem da mesma faixa etária, esses aconselhamentos soariam como uma “ladainha”, só que Dalva segue-os à risca. E quando está a sós, diz, lá com seus botões, que pretende passar esses ensinamentos para seus filhos. Diz também que tem a mãe que pediu a Deus.

Aparecida faz questão de aparecer em todas as páginas do “diário” da filha. Agora a filha vai se casar. Não vai ser nessa ocasião que ela abrirá mão de ser protagonista nos preparativos desse evento. Mesmo sabendo das quantidades de “pepinos” a ter que enfrentar. Afinal, Dalva é uma parte externa do seu corpo que anda com pernas próprias, enxerga com os próprios olhos e que tem um coração que bate na mesma freqüência que o dela. Talvez isso explique a sintonia fina, existente entre os membros dessa família.

Amaro passa o dia ocupado com tratativas, assinaturas, conferências e telefonemas, no escritório de sua pequena empresa de construção civil que é administrada por Victor, seu futuro genro.

O rapaz leva jeito pra coisa. Traz tudo “na ponta do lápis”. Gosta de trabalhar sozinho e dá conta das demandas exigidas pela função. Seu jeito concentrado de se dirigir aos colegas de trabalho, assim que ele costuma tratar seus subalternos, passa a impressão de preocupação com alguma coisa fora do alcance. Mas é só impressão. Até porque ele deixa pra passar ou cobrar alguma tarefa, invariavelmente, às dez pra meio dia. Antes do horário do almoço. Tempo em que Dalva se dirige à Rua do Ouvidor para almoçar e conversar com seu amado noivo sobre amenidades e sobre o que fizeram até o meio dia. Viva o telefone celular!!!

A sede da empresa de Amaro fica num prédio de quatro andares, no centro do bairro de Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro, região em franco desenvolvimento e aumento vertiginoso da densidade demográfica. O que levou várias empresas do ramo da construção civil a se instalarem nessa área. Motivo pelo qual Amaro trocou o bairro do Meyer por Campo Grande. A troca se deu primeiro com a moradia. A família aprovou. Casa ampla, quintal imenso, dois pés de cocos, acerola, goiabeiras, pitangueiras e um gramado na frente da casa. Dois anos se passaram e a sede da empresa também veio para Campo Grande.

Dalva e Victor almoçam e conversam pelo celular com fones nos ouvidos. Falam tão baixinho como se sussurrassem ao pé do ouvido um do outro.

___ Amor, já se inscreveu no concurso da Ordem?

___ Já, amor... Você está mais ansioso que eu, heim.

___ não vejo a hora de você pegar aquela carteira... Minha amada... Advogada de verdade.

___ A prova é mês que vem.

___ Vou estar lá no portão, esperando você saindo com aquele seu sorriso no rosto.

___ Será dez dias depois do nosso casamento.

___ Então, nada de viajar pra longe. Lua de mel só depois da prova.

___ Ta falando igual a dona Aparecida.

___ Temos que focar na evolução das nossas vidas.

___ Amor, antes da prova da Ordem temos um casamento, esqueceu?

___ Se tínhamos alguns problemas, esse já é considerado “favas contadas”.

Aparecida já havia o acalmado. Ela só aguardava o dia da cerimônia. Tudo resolvido. Tudo sob controle.

De todos os apetrechos que envolvem a cerimônia do casamento, o buquê de flores foi o que mais deu trabalho para o senso de escolha da Aparecida. Dalva dera carta branca para a mãe, em quase tudo. Menos o vestido, por conta do manequim dela. Totalmente diferente do da Aparecida. Depois de alguns sonhos e sonos interrompidos, finalmente a idealização do buquê se concretizou. Era o buquê que Aparecida sonhara pra ela, há anos atrás.

___ Creio que minha filha vai gostar. Realmente é um belo buquê. – Ela fala, examinando sua obra de arte.

O horário de almoço de Victor e Dalva se aproximava do fim.

___ Amor, tenho serviço de tribunal essa tarde. Devo subir mais cedo hoje. Me espera no segundo piso do Passeio. Vamos tomar aquele licor de amoras no nosso bar.

___ Combinado. Não esquece. Os vidros levantados sempre. Música em nível baixo. Wase desligado, pelo amor de Deus. Pra ele não te mandar entrar em alguma comunidade.

___ Ok. Beijos. Até mais tarde.

___ Até. Beijos.

O que Dalva chamou de bar, lá no segundo piso do Shopping Passeio, no centro nervoso de Campo Grande, está mais pra ser uma aconchegante lanchonete, fora do burburinho do povo passeador de shopping, principalmente no primeiro piso. Victor gosta mesmo é de um vinho do Porto, reservado para clientes especiais. Até porque o preço não é muito convidativo. Mas um casal às vésperas de seu casamento pode se apresentar como especial em qualquer ambiente gastronômico ou de entretenimento. E Dalva passou o dia todo pensando em arrastar Victor para esses ambientes. Ela sempre foi contra as tais festas de “despedidas de solteiros”. Farras de amigos ou de amigas, sem a presença do futuro cônjuge. Dalva nunca concordou com isso. E hoje é sexta feira. Amanhã nem ela nem Victor trabalham. Por que os dois não podem fazer sua farra juntinhos, a sós? Claro que podem. E fizeram.

Quando Dalva chegou, Victor já saboreava seu vinho português de primeira linha. O beijo trocado pelos dois chamou a atenção dos presentes. Muitos que estavam ali, não se lembravam que beijos podem estalar. E foi esse o acontecido. Beijos estalando nas bocas de um casal prestes a se enlaçar matrimonialmente. Quando o casal apaixonado se sentou, as pessoas disfarçaram e desviaram os olhares. É assim que se faz aqui, ali e acolá.

Dalva ligou pra mãe e disse pra ela não se preocupar, pois iria chegar bem mais tarde.

___ Eu e o Victor vamos a uma festa. Já estou com ele aqui no Shopping Passeio. Depois ele me leva em casa. Bjs.

___ Depois de quê?

___ Depois da festa.

___ Ah tá.

___ Passa pro papai, por favor. Ele é tão compreensivo quanto você. Assim eu percebo..

___ Eu queria te mostrar o buquê que eu montei hoje, lá naquela loja do Mercado das Flores.

___ Você foi à cidade hoje e não me ligou?

___ Eu não queria atrapalhar o teu trabalho.

___ Não posso acreditar numa coisa dessas, meu Deus.

___ Não foi minha intenção baixar teu astral... Vai lá. Curta bem sua festa... Amanhã te mostro o buquê. Pode deixar que eu sei como falar com seu pai. Divirta-se. Beijos. Beijos no Victor.

___ Tchau.

Victor notou a brusca mudança no semblante de Dalva.

___ O que houve?

___ Minha mãe queria me mostrar o buquê... Ela foi lá no centro da cidade e nem me ligou. Disse que não queria atrapalhar meu trabalho. Pode isso?

___ Tanto pode quanto pôde. E ela fez muito bem. Amanhã, acredito que você vai aprovar. Porque ela é competente nesse sentido. E se você estivesse com ela, tiraria dela o senso de escolha.

___ Sou obrigada concordar contigo. Vamos comer alguma coisa?

___ Vamos. Dá uma olhada no cardápio.

___ Já olhei. Nada me agradou.

___ To achando que você ta querendo me levar pra um “cinco letras que choram”. Acertei?

___ Na mosca. Então vamos. Vou pedir a menina pra fechar a conta.

Foi uma festa de arromba. Saíram do motel depois das cinco da manhã. A algazarra dos passarinhos saudando a alvorada, parecia partilhar da felicidade do jovem casal. Dificilmente esquecerão aquela noite-madrugada. Noite não dormida. Noite mui vivida. Os elétrons do corpo de Dalva, dentro do carro, ainda davam sinais dos prazeres trocados no leito. Victor percebeu mas preferiu deixar “o bicho quieto”. Ela, com certeza, teria uma bela de uma conversa com seu pai. Se não sobrar pro Victor, na segunda feira. Mas eles se entendem bem.

Dalva dormiu até as duas da tarde. Aparecida parecia que estava de plantão na porta do quarto da filha. Dando uma de sentinela. Não se sabe, guardando mais o quê? O que tinha de ser, já era. Mas lhe restava, ainda, mostrar o buquê à filha amada. Até porque todo buquê tem um porque. E o porque daquele buquê é a realização de um sonho da Aparecida, pois só havia casado no civil e sem buquê de flores.

Roberto Candido Machado
Enviado por Roberto Candido Machado em 02/06/2021
Reeditado em 25/06/2021
Código do texto: T7269930
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