Fugindo da Mediocridade
Horas a fio, no mesmo movimento, autômato. Mas não um movimento qualquer. O movimento que mais agrada a alma, depois de “uns outros” descritos num livro, acho que de origem indiana, que começa com "Kama".
O ato de levar o copo de cerveja à boca, em si, já é algo de fantástico, de fenomenal. Evidente, não só a cerveja, mas qualquer outro alimento da alma, que nos arranque ao menos um pouco da mediocridade da realidade que vivemos. Não quero falar daquilo que nos tira completamente da realidade. Apenas o álcool, que nos dá a distorção na medida exata, nas condições para que possamos, talvez, até enxergar melhor a realidade.
Uma cerveja, uma cachaça, em seqüência interminável. Ah, a mente já começa a clarear.
Amigos me rodeiam, mas nem sei quem são ao certo. Sei seus nomes, endereços, telefones, profissões, histórias de vida, mas não conheço suas almas.
Mesmo vazios de alma, ainda assim, estão ali, a meu lado, trocando futilidades e juntos, fugindo da mediocridade de nossas vidas.
Histórias do passado, exageradas, mentirosas, alterações da realidade, manipulações da verdade, inversão de papéis, povoam as palavras proferidas com o objetivo de agradar ao público presente, ao mesmo tempo em que tentamos nos apresentar um pouco melhor do que somos na realidade. Ah, essa triste necessidade que temos de buscar a aprovação dos outros...
Acabo de ouvir o típico solitário infeliz, contando sobre a infinidade de mulheres que sempre estiveram e continuam atrás dele. Olho em seus olhos e vejo a vontade, o desejo sincero dele em acreditar em suas próprias palavras. Ah, não posso cometer a crueldade de contestá-lo.
Outro, ao meu lado, fala da festa para qual vai daqui alguns instantes, de como estará cheia de mulheres e bebidas, nos fala para irmos junto com ele. Ah, vejo também em seus olhos o desejo sincero de acreditar em tal história. Mas esse está querendo me arrastar junto para a mediocridade absoluta, não posso deixar de contestá-lo, usando o seu passado como argumento.
- Sei, cheia de mulheres e bebidas. Igual as 7 últimas festas para as quais você nos convidou? Aquelas em que só havia as mulheres de alguns de seus amigos e uma outra horrível que era seu “esquema”? Cheia de bebidas? Você está falando novamente daquelas cachaças no padrão “Leãozinho”, acompanhadas de algum vinho vagabundo vendidos em garrafão de dois ou três contos? Estou fora.
- Pó, que é isso? Não é porque as coisas deram errado uma vez que dará errado sempre.
- Eu não falei de uma vez, mas de sete.
O silêncio toma conta da mesa por alguns instantes, em que eu, infelizmente, fiz todos retomarem a consciência da mediocridade de suas vidas. E eu mesmo, lembro-me e penso na mediocridade de minha vida de forma muito clara. Preciso fazer algo para fugir a esta triste realidade novamente.
- Então, o que vai ser agora?
Duas ou três opções de bares surgem na mesa, para prosseguirmos com nossa noite que está apenas começando. Acabamos escolhendo um, pagamos a conta daquele ali, muito bem dividida como sempre e saímos.
E mais uma vez, estamos a fazer o mesmo, numa medíocre rotina, burramente, tentando fugir da mediocridade.