Aracanga
A tripulação temia que a embarcação soçobrasse. Com o vento forte a bujarrona enrodilhou-se fazendo com que a caravela desviasse a rota. O capitão com sua voz altissonante chamava os comandados a ação. Conhecia as melhores condições de operacionalidade e tinha a confiança de seus marujos
.
Em meio a tormenta busquei abrigo debaixo de uma lona no convés. Tremia, não sei se de frio ou de medo, quem sabe ambos.
Senti uma dor lancinante em minha mão que fora pisoteada por alguém que passava apressado. Meu grito de dor se perdeu em meio ao tumulto.
Meus pensamentos eram na calmaria de minha casa. Ah, como eu daria tudo para estar no conforto do lar. Desejava regressar o quanto antes, queria estar com a família, já que em dois dias eu completaria vinte e um anos.
As ondas tomavam proporções gigantescas. E o balanço da embarcação só aumentava. Fiquei nauseado. Lembrei do boticário que estava a bordo. Eu precisava de cuidados, mas onde encontrá-la em meio a tanto alvoroço. Eu não sabia distinguir mais quem executava as tarefas náuticas dos outros que vieram em comitiva.
Um relâmpago riscou os céus segundo de um trovejar ensurdecedor que acelerou meu coração. Eu rezava a todo instante pedindo pela abonança.
Duas horas depois a tempestade amainara. Vi o raiar do dia. Fiquei absolutamente pasmo com a tranquilidade que agora havia no convés. Tentei me erguer. Dei uns pequenos passos, já que minhas pernas ainda estavam trêmulas.
Aproximei-me do capitão e do mestre, sem ser notado. Ouvi-os dizer que avistaram sargaços no mar e que então a terra estava próxima. Duvidei ao olhar em redor e avistar somente água por todo lado. Pouco tempo depois presenciei o mais lindo espetáculo da natureza. Sobrevoava sobre nossas cabeças um bando de aracangas. Era como se estivéssemos sendo recepcionados pela ilha que se descortinava aos nossos olhos. Corri até a proa e ergui os braços acima de minha cabeça, agradecendo aos céus nossa chegada à terra firme. Nesse instante uma agitação de felicidade tomou conta de toda a tripulação, ouvimos um cântico em uníssono entoado por todos. Homens se atiraram ao mar nadando em braçadas até atingirem a praia.
Fui levado pelo mesmo entusiasmo. Nadei com tamanha felicidade e me estirei de cansaço sobre a areia. Vi nossa caravela singrando com o capitão de braços abertos como se abraçasse a nova terra. Deitei-me ao sol para secar as roupas. De olhos fechados eu ouviu ainda a festança das aracangas.
Mas de repente fui chocalhado e chamado a vida novamente. Agarrei-me aquele braço tomado de susto. Foi quando ouvi a voz de minha mão me dizendo:
– Acorde Tonico ou vai chegar atrasado na faculdade. Não é hoje a sua prova de história?