Conto das terças-feiras – Marinheiras de primeira viagem
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 25 de maio de 2021
Duas semanas de arruma-malas, contagem de calças, blusas, sapatos, meias etc., etc., sempre tinha uma peça a mais para colocar. As roupas de frio ocupavam o maior volume, afinal estavam indo, pela primeira vez, a São Paulo, uma cidade completamente desconhecida para as quatro garotas. As informações que tinham, obtiveram em folhetos de viagem e de amigas que moravam lá. Era, também, a primeira vez que viajariam de avião, o que fazia aumentar a expectativa e a ansiedade de Karem e suas três colegas de faculdade. Iam para um congresso de arquitetura, profissão escolhida pelas quatro universitárias. As passagens foram adquiridas por meio de um site de viagem, a hospedagem pelo Airnb, site que oferece diversos tipos de acomodações, que vão desde sofás a embarcações e mansões, a preços para qualquer bolso.
O dia tão esperado chegou, as três companheiras, com seus respectivos pertences, se dirigiram ao aeroporto, alegres e faceiras. Antes seguiram o ritual de todos os marinheiros de primeira viagem, tomaram Dramin, indicado para prevenir e tratar os sintomas de enjoo, tontura e vômitos, causados por movimentos durante as viagens de avião, barco, ônibus etc. Somente Karem dispensara essa prática, dizendo-se acostumada a viajar de ônibus para o interior de seu estado natal. A alegria tomava conta de seus corações, à medida que a hora do voo se aproximava. Os batimentos cardíacos das quatro estavam a mil. As quatro estavam sempre atentas aos movimentos das demais personagens do palco, o ambiente destinado aos balcões de check-in.
No avião sentaram-se duas a duas, uma protegeria a outra em caso de necessidade. Falavam pouco, só observavam o andamento do embarque, a movimentação das comissárias que instruíam os passageiros onde guardar seus pertences, apertar o cinto e desejar boa viagem, delicadeza peculiar das companhias aéreas. Da cabine do piloto veio a voz de comando; portas fechadas. - Aqui é o comandante Augusto que lhes deseja boa viagem. Todos se acomodaram confortavelmente em seus assentos. As garotas se deram as mãos, frias que nem picolé, trêmulas que só vara verde.
Voo iniciado, até 60 minutos adiante tudo correu tranquilamente. Luzes acima das poltronas acenderam, com avisos para apertar os cintos e permanecer sentados em seus lugares, sinal de turbulência. O frenesi aumentou entre alguns passageiros, principalmente entre as colegas de Karem, Alda, Marina e Joceli. Elas procuravam se proteger dos solavancos do avião, agarrando-se à sua companheira de assento. A aeronave balançava muito, uma tempestade lavava a máquina voadora. Olhando da janela, nada se via, trovões e relâmpagos atiçavam o medo das viajantes, que tentavam conter os gritinhos. Olhos arregalados, cabeça retesada, pânico. Sinais de enjoo fizeram-se presentes, vômito dentro da embalagem fornecida, o Dramin não fizera o efeito apregoado.
Cessada a turbulência, mais calmas, alguém sugeriu outro comprimido, o que foi aceito por duas delas. A coisa piorou, dentro de alguns minutos as duas que haviam repetido a dose ficaram elétricas e inquietas. Chegaram ao aeroporto de Guarulhos às 22h30, entraram em contado com o agente do site de hospedagem e foram informados que a reserva era para as doze horas do outro dia e que, naquele momento, não poderiam dispor de transporte para apanhá-las, conforme estabelecido no contrato.
Dormiram no aeroporto, isto é, ficaram no aeroporto, acomodadas como foi possível, deitadas no chão, até a chegada do transporte tão desejado. O dinheiro que trouxeram era pouco, não poderiam gastar com transporte extra. A contrariedade se desfez, todas rindo e comentando o ocorrido na noite anterior, seguiam direto para o local escolhido, um pequeno apartamento na região da Paulista, bem próximo ao local da realização do congresso. Deslumbradas desceram do veículo que as conduzira até o local. Deixaram as malas no apartamento e foram passear pela Paulista, duas delas se perderam na multidão. Como tinham endereço e celular se comunicaram e marcaram de se encontrar no local onde estavam hospedadas, quem chegasse primeiro avisaria às outras. À noite houve a abertura do congresso, todas estavam elegantes e sorridentes, nada parecido com a noite anterior. O tormento da noite anterior fora esquecido. Agora só restava aproveitar o Congresso e a cidade de São Paulo, e foi o que fizeram por cinco dias.