O ANEL DE DIAMANTES
Leio no UOL que na Austrália uma fotógrafa submarina encontrou e tirou fotos de um pequeno peixe que trazia preso ao redor do corpo uma aliança de casamento.
Fotografou, resgatou o peixe e retirou o anel que com o passar do tempo poderia matá-lo. Depois, ainda encontrou o dono do anel e o devolveu.
Quase inacreditável.
Mas o que o texto não diz é que no final do século retrasado, fato semelhante aconteceu aqui na região de Pium, noroeste de Tocantins, e resultou em tremendo bafafá.
O fato ocorreu na cidade de Muriçoca, margeada pelo famoso Rio das Mortes, rico em ouro e diamante.
Muriçoca, hoje um simples povoado, naquele tempo era cidade próspera em razão do garimpo e atraia muita gente.
Embora os garimpeiros encontrassem ouro e brilhantes, quem ficava rico, e sempre muito rico, era o Coronel Gomes de Sá que durante o Reinado exerceu o cargo de fiscal dos minérios e que pelos excelentes serviços prestados à Coroa até recebeu o título de Marquês de Muriçoca.
O título lhe foi outorgado mesmo que, já por aquele tempo, todo o povo soubesse que ele amealhava mais para si do que para o Rei. A Coroa igualmente sabia, mas considerava que era melhor alguém que roubasse a metade do que outro que roubasse tudo.
Critério de administração pública que no Brasil vigora até os dias de hoje.
Diz a historia que o tal Marquês era tão rico e importante que, em visita pela região, Dom Pedro lI hospedou-se em sua residência.
Por isto e tudo mais que o povo conta, o Marquês fiscal tinha interesse em consolidar seu poder político na região, e quem sabe ser recebido com honras na Corte no Rio de Janeiro.
Para alcançar tal objetivo sonhava casar sua única filha com alguém de linhagem nobre. Sua filha, princesa de seus olhos, chamava-se Pureza, beldade de dezesseis anos, mimosa e mimada menina.
Moça catita, desfilava sua beleza pelo vilarejo, sempre cercada e cuidada pelos serviçais, aias e escravos do seu pai, que se passavam por olhos e mãos do patrão.
Em público os moradores de Muriçoca eram só elogios e louvores à donzela; no recesso de suas casas, entre familiares de confiança, ouviam-se críticas: moça mimada, malcriada, e outros adjetivos depreciativos, como é de hábito entre as pessoas oprimidas a se referirem aos seus opressores.
Rebelião nascente, silenciosa e medrosa.
Era dessa maneira covarde, à boca pequena e assustada, que o povo manifestava o desprezo, alimentados pelo medo e a insatisfação com o Marquês tirano.
Pois bem...
Havia também, por aquele tempo em Muriçoca, um guapo rapaz na idade dos vinte anos, de nome Gabriel.
Era moreno alto, forte e alegre que, por onde passava arrancava suspiro das mulheres.
Além de todas essas qualidades tocava viola e cantava canções da região e da época que era bonito de se ver e ouvir
Amigo de todos, gozava de muita afeição pelo povo. Não havia quem não gostasse dele.
Não se dedicava à mineração.
Era exímio peão de gado, profissão que despontava naquele tempo. A mineração estava a minguar e a pecuária era a atividade econômica do futuro.
Para aqueles que sabiam interpretar, era o vento das mudanças que começavam a soprar naquela região.
Um dia a princesa... epa ! Princesa não... a filha do rico Marquês. Mas sim, por que não, uma princesa reconhecida pelo povo...
Vamos continuar...
Um dia a "princesa" resolveu banhar-se às escondidas na parte rasa do Rio das Mortes. Brincadeira que era repreendida por seu pai.
Para tanto, dirigiu-se a uma praiazinha remota, longe dos olhos do populacho, vestida com longas e respeitosas vestes, que deixavam à mostra apenas os braços depois dos cotovelos e os pés descalço desnudos depois das canelas.
Rodeada e cuidada pelas aias e pelas escravas da sua confiança a menina esbaldou-se com alegria nas águas limpas e frescas do rio.
Mas, aquele grande entusiasmo, foi maculado por um terrivel imprevisto.
Lançando para o ar, para o rosto e para os cabelos, porções de água que recolhia pela palma das duas mãos entrelaçadas, a moça dava pulos e saltos de alegria descuidada.
De súbito, percebe que do dedo indicador da mão direita havia desaparecido o valioso anel de ouro e diamantes, presente do senhor seu pai, dado a ela na soberba festa de aniversário dos seus quinze anos.
O sangue da menina gelou... o tempo parou... os gritos de alegria cessaram, e ela colocou suas mãos em frente aos seus olhos, a examinar melhor e dar um grito de horror e desespero que petrificou todas as aias ao seu redor.
"Que foi sinhá? Que aconteceu?"
"O anel... presente do senhor meu pai... sumiu !"
Foi "aí, aí, aí, senhor meu Deus", com as mãos entrelaçadas em cima da cabeça que não tinha fim.
Foram muitas rezas, buscas e promessas a São Longuinho, a Santo Expedito, ... mas nada de encontrar o soberbo anel.
O anel era objeto caríssimo, feito do mais puro ouro e dos melhores diamantes obtidos pelo Marquês.
Valia mais que dez fazendas... mais que vinte minas de garimpo... muito mais.
Fora confeccionado pelos melhores ouriveres do Goiás Velho. Porque se tivesse sido moldado no Rio de Janeiro o Imperador Dom Pedro viria a saber... daí lascou-se !
De sorte que o Marquês de Muriçoca nunca poderia saber da perda.
E foi assim que naquela tarde todos voltaram para casa... de bico calado.
Combinaram que ninguém iria se referir ao anel. Se o Marquês perguntasse à filha ela responderia: "Senhor meu pai, ele está guardado em segurança em meu quarto. Não quero de forma alguma perde-lo".
E mais não diria, e o tempo que desse solução.
Quis o destino, este imprevisto que se manifesta nas horas mais inapropriadas, que Gabriel, o Guapo, fosse nesse dia ao Rio das Mortes pescar.
Levou consigo uma peneira de fibras trançadas de palmeiras e um sambura do mesmo material.
Descalço e nu da cintura para cima bateu peneira pelos cantos e remansos rasos do rio. À medida que recolhia os lambaris, piaus e tambaquis, guardava-os no sambura.
Isto tudo sobre às vistas das mocinhas das redondezas, que ocultas na vegetação davam longos suspiros de paixão.
Mas isto ele não sabia, haja vista ser o belo rapaz puro de coração.
Mais tarde Gabriel, em casa, abriu o sambura e os despejou no girau de madeira para limpa--los e fazer uma fritada.
Foi quando descobriu um lambari miúdo com o anel de diamantes enroscado no corpo.
Curioso examinou bem o maravilhoso anel. Havia diamantes belíssimos incrustado no melhor ouro.
Calculou, corretamente, que tinha nas mãos uma imensa fortuna.
Com certeza nem a Princesa Isabel possuía tão maravilhosa jóia.
Desconhecia porém a origem do anel, bem como seu proprietário. Conhecia a senhorinha Pureza de ouvir dizer. Ela não pertencia à sua roda social e nem aos círculos do seu interesse. Suas lidas de trabalho não passava nem perto da presença da princesa.
Nunca soubera que a filha do Marquês tinha ganho um anel do pai.
Inocentemente mostrou o anel aos amigos.
Todos ficaram estupefatos.
Gabriel a todos explicava: "encontrei a jóia enrolada em um lambari".
De boca em boca e numa velocidade fantástica toda cidade de Muriçoca ficou sabendo do achado.
Não demorou e chegou aos ouvidos do Marquês.
Cabe explicar que se fatos extraordinários circulavam na cidade em velocidade surpreendente. Notícias da Corte, contudo, chegavam em lombo de burro.
Foi pouco antes de todo o acontecido aqui narrado que ficaram sabendo da abolição da escravatura (1888); mas superficialmente. Como seria a vida dos libertos doravante? Deviam ou não continuar a obedecer o patrão? Todos tinham dúvida, inclusive o Marquês.
Um ano depois, também em lombo de burro, chegaram as notícias da proclamação da República (1889). E Agora? O Marquês ainda seria Marquês? Fiscal do Reino certamente não era mais... contudo o que era então?
Tudo o quanto aqui se passou, foi nesse período inseguro da história, em que o que é velho ainda não morreu plenamente e o que é novo ainda não consegue nascer.
Voltando à narrativa, não demorou para o Marquês saber que uma pessoa do povo carregava um anel valiosíssimo.
Mandou seus capitães do Mato buscarem o moço Gabriel e a afamada jóia.
Enquanto os jagunços seguravam o rapaz o Marques arrebatou-lhe o anel.
Reconheceu-o de imediato; espantado mandou chamar a filha.
Pureza chegou à sala assustada; tinha ouvido os gritos do senhor seu pai.
Ao entrar viu o rapaz vestido do modo em que chegara da pescaria: nu da cintura para cima.
Apreciava tão atenta os belos dotes do rapaz que seu pai teve que repetir a pergunta por três vezes antes dela compreender:
"Filha como o seu anel está na posse deste rapaz?"
A moça, embora assustada, sentia-se naquele momento perdidamente atraída por aquele moço desconhecido a tal ponto que, confusa nos sentimentos que vivenciava, não encontrava resposta.
Dizer a verdade? Não ! E ter que confessar que desobedecera as ordens de ir nadar no rio ?
Nunca. Nunca diria a seu pai que perderá o anel no rio. Até porque a resposta não explicava como o anel estava na posse daquele moço.
Assim, talvez para afastar de si o cálice da tentação que oferecia a visão do rapaz, respondeu com a primeira mentira que lhe veio a cabeça:
"Aí, Aí, Aí, senhor meu pai... ele roubou-me."
" Ele roubou-me" - repetiu.
O Marquês enfureceu-se.
Pediu a seus capangas que aplicassem uma surra no acusado.
Após o que mandou construir uma forca na praça da igreja.
Iria enforcar o desgraçado.
Porém, alguns anos antes, após a execucao de um inocente em Macambu, havia sido abolida a pena de morte (1890). No entanto, raciocínou o tirano, o rei não mandava mais nada e suas leis não valiam, isso por conta da Proclamação da República.
Mesmo assim estava determinado a enforca-lo. O ato serviria para o Marquês solidificar sua autoridade nesse momento conturbado e de insegurança jurídica que levou-o a perder escravos e bloquear seu sonho de frequentar a Corte.
Seus jagunços amarraram as mãos de Gabriel, colocaram uma corda em laço em seu pescoço e o arrastaram para o local do justiciamento.
Foi um "Deus nos acuda !" por todo vilarejo.
O povo foi se juntando à procissão do condenado. De todo canto brotava gente e mais gente, e num instante havia uma enorme multidão.
O Marquês ordenou que colocassem o infeliz rapagão num tablado onde estava armada a forca.
Pediu silêncio e proclamou em voz alta e clara que ali, na presença de todos, estava um ladrão. Um ladrão infame que havia ousado assaltar sua indefesa filha Pureza e roubado o valioso anel de ouro e diamantes, que ele, pai amantíssimo, havia presenteado à filha no seu aniversário de quinze anos.
Por esta razão, por ser crime imperdoável de apropriação ilícita de coisa alheia o rapaz morreria na forca.
A sentença arrancou logos suspiros, gritos, lágrimas das mulheres e revolta nos homens.
Principalmente das mulheres que olhando para a bela figura do condenado, musculoso e másculo, parecendo um deus grego... bem... um deus grego bem dotado, melhor dizer.
Que grande infelicidade desperdiçar tão bela figura masculina !
Recordemos que, como disse antes, ... os ventos no país estavam mudando de direção.
Embora pensasse diferente o Marquês, é bom recordar que a pena de morte tinha sido abolida por Dom Pedro II. De igual modo foram libertos os escravos pela Princesa Isabel. E depois proclamada a República.
Concluíram que o Marquês não tinha mais autoridade absoluta.
O povo estava promovendo essas mudanças; de sorte que havia cheiro de rebelião no ar... cala boca já havia morrido !
De modo que Jajão Bigorna, o ferreiro da cidade, popular dono do próprio destino, gritou pedindo silêncio à multidão.
Como? ... pensaram todos, ... como Jajão Bigorna tinha a ousadia de contrariar a vontade do Marquês e pedir a palavra? Por certo iria discordar da decisão, senão teria permanecido calado.
Jajão Bigorna gritou para o público atento e silencioso:
"Companheiros e companheiras, ... povo de Muriçoca,... é hora da gente opinar. Fazer a coisa certa. O Marquês, com devido respeito, não pode decidir sozinho..." e assim dizendo foi caminhando entre as pessoas em direção ao palanque armado onde estavam o Marquês, o acusado e o jagunço carrasco, perfilados ao lado da corda de enforcamento.
Jajão Bigorna subiu no jirau e continuou: "Companheiros... não é certo o Marquês, baseado apenas na palavra da sua filha, matar nosso confrade Gabriel, que todos conhecem como honestíssima pessoa. Vamos fazer a coisa correta neste momento importante. "
Da multidão, a todo tempo, vinham gritos de "muito bem", "apoiado", "viva a República", "abaixo a pena de morte" e o conhecidíssimo "o povo unido jamais será vencido".
Jajao Bigorna, a medida que discursava, sentia o sangue ferver e era tomado por maior entusiasmo.
Sua figura pequena, mas robusta, sobrepunha-se a do Marquês. Sua barba semi comprida, com fios brancos, davam-lhe, respeitabilidade. Suas roupas de ferreiro, com marcas do trabalho metalúrgico de ferrar cavalos e a sua camisa vermelho sangue cooptava a atenção geral. Sua voz firme e seus argumentos irrefutáveis hipnotizava e ensandecia as pessoas ali reunidas famintas por justiça.
O Marquês sentiu o golpe.
Não era momento para discordar; era hora de chamar para conciliação.
O Marquês pediu a palavra e expôs sua proposta a Jajão Bigorna, que ali, num átimo, o havia despido de autoridade indiscutível:
"Senhora e Senhores... vou chamar aqui no palanque minha filha Pureza, que irá confirmar o assalto e como se deu o roubo. Depois darei a palavra ao réu que terá a oportunidade de se defender. Depois meu povo adorado aqui presente fará o julgamento e decidirá pela morte do acusado."
Todos concordaram e assim foi feito...
Conduzida por várias aias e mucambas a menina princesa Pureza chegou ao local.
Vestida de branco estava linda como uma noiva.
A medida que avançava para o palanque o povo abria caminho espontaneamente e fazia reverência respeitosa.
Subiu as escadas como uma rainha sobe ao trono.
Olhos baixos, não olhava ao redor e, ao chegar com respeito beijou a mão do pai e pediu a sua bênção.
Melhor entrada e presença era impossível.
No entanto, após reverenciar-se ao Marquês ela encarou o réu.
Ficou muito claro que ela estremeceu, abaixou a visão para a virilha do rapaz e arregalou os olhos; colocou as mãos, uma no coração para diminuir a palpitação acelerada, e outra na boca para calar a exclamação do desejo.
Nada diferente de todas as presentes que se deliciavam com a visão do Gostoso Gabriel semi nu, a exalar testosterona por todos os poros.
Além do que, vestido do jeito que toda mulher gosta: "sem aliança nos dedos" .
Ela não parava de encarar o réu e, com tanta "motivação", que o seu pai teve que lhe chamar a atenção para a pergunta:
"Querida filha, exemplo de pureza e inocência, responda se o acusado aqui presente foi o ladrão que roubou seu anel?"
"Oh, papai ! Sim foi ele... (mentiu)... mas poupe-me ter que narrar as circunstâncias infames ..."
" Oh ! Enforquem-no !" - gritou o Marques colérico imaginando a terrível ofensa à pobre filha.
Jajão Bigorna adiantou-se e gritou:
"Companheiros e companheiras... calem-se" e autoritário argumentou "Essa é a versão da vítima. Num processo justo temos que ouvir o réu. Ele tem o direito de expressar a sua verdade. De modo que passo a palavra à ele e... que fale o réu".
Ah, a verdade !
Segundo o senso comum verdade é aquilo que é inalterável em todas as circunstâncias e contingências.
No entanto, segundo o filósofo Leibniz, alemão que nunca se ouvira falar em Muriçoca, a verdade pode ser dividida em duas: a verdade da razão e a verdade do fato, obtidas pelas análises empíricas e pessoais das sensações, emoções ou até propósitos daquele que a verdade contempla. Seja lá o que isso signifique.
E a primeira verdade que veio a mente do réu foi que ficara encantado pela princesa Pureza e não escapou do seu olhar atento que ela não conseguiu manter a mente pura ao encara-lo.
Então o réu adiantou-se, aguardou o silêncio total e disse claro e em bom tom:
"Prometo dizer a verdade, nada mais que a verdade "
A introdução agradou a todos.
O Marquês gritou:
"Sim, diga a verdade... a verdade irá condena-lo".
Jajão Bigorna aproveitou a deixa e gritou:
" Sim, conte toda a verdade... ela vos libertará ".
Gabriel refletiu sobre as duas propostas e narrou:
"Meu povo de Muriçoca ... a verdade é tão bela que deveria andar vestida igual a Princesa Pureza que agora me acusa. A verdade resplandece, sua luz ofusca de tal modo nossa visão da vida que cega-nos. Não queremos encara-la. Mas a verdade, se aceita, é doce, romântica, trás a felicidade e a alegria. Quem dera a cada um de nós viver essa vida breve no mundo na total verdade, na total felicidade."
O povo ouvia silencioso. As belas palavras fizeram os homens concordarem com a cabeça. Por seu lado, as mulheres suspiravam, tiravam o lencinho de seda perfumado do seio e enxugavam às lágrimas.
"A verdade meu querido povo da terra em que nasci e que irá me sepultar" -continuou o réu - " ... a verdade no entanto me condenará, mas irei para o cadafalso feliz por sido fiel aos sentimentos e à imaculada honra da minha querida amada..."
"Antecipadamente, antes de cumprir minha pena, rogo que o seu amado pai a perdoe e a proteja com redobrada galhardia."
Fez longa e estratégica pausa e soltou a bomba:
"A verdade senhores, é que eu e a princesa Pureza estamos namorando em segredo... O mais puro dos amores... e minha amada, como prova do seu enorme amor por mim, ... presenteou-me com o anel."
"... presenteou -me com o anel."
A mentira paga com a mentira.
A frase pairou sobre a multidão emudecida, como uma ave de mau agouro voando em direção ao crepúsculo.
Como assim ?
Depois de longo silêncio ouviu-se exclamações como "Oh!", "Senhor meu Deus!", a frase dando azo a imaginação do povo...
... o proibido e romântico namoro de uma donzela princesa com um belo homem comum do povo.
O Marquês saltou em direção ao réu: "é mentira ! É mentira ! É mentira !"
Jajão Bigorna apartou a briga e gritou para a multidão: "Vamos perguntar à Pureza se é verdade ou não ".
Pureza não conseguia disfarçar a inconveniência.
Ficou parada, toda enrubescida, vermelha num ponto tal que se enxergava muito de longe.
Não disse nem "sim" e nem "não"...
Nem tinha porque responder, pois a sua expressão corporal era que estava perdidamente apaixonada pelo réu.
O público percebeu.
"Enforquem o réu mentiroso e ladrão " - ordenou o Marquês ao seu jagunço ante o silêncio da filha.
Jajão Bigorna tomou-lhe a frente, apontou para o pai da moça e gritou para a multidão: "Eis aqui o nosso opressor. Companheiros... mais uma vez estamos testemunhando uma tirania contra nosso povo tão sofrido. O caso aqui não é de furto, roubo e nem mentira. Vejam a senhorita Donzela: quem aqui não vê que ela está apaixonada pelo réu? Quem aqui será capaz de jurar ou sequer acreditar no roubo? O caso claramente é de amor e paixão. O anel serviu como votos de amor eterno".
"Sim" gritou o povo " Sim, eles estão apaixonados "
E furiosos repetiram para o Marquês: "tirano", "opressor", " viva a República ", "abaixo a monarquia", "o povo unido jamais será vencido" e muitas outras palavras de ordem
Armados de pedras começaram a lança-las no Marquês. Os jagunços começaram a pirulitar-se para a mata.
A situação estava fora de controle.
O Marquês percebeu que estava no mato sem cachorro.
Foi quando o prisioneiro soltou-se das cordas, lançou-se em direção á princesa Pureza e abracou-a com a intenção de protege-la das pedradas.
A moça aconchegou-se ao rapaz e enlaçou a sua cintura.
Os dois lançaram olhares cúmplices e apaixonados.
Beijaram-se longamente, girando nas bocas frenéticas as línguas um do outro.
Ao ver a cena o povo calou-se.
Silêncio absoluto reinou soberano.
Suspiros apaixonados ouvia-se por todo canto.
O Marquês fez cara de que não gostou.
Jajão Bigorna sorriu e seu grande sorriso ficou estampado no rosto sem que sua barba atrapalhasse essa visão da vitória e disse: "Marquês o melhor a fazer é abençoar a união. "
O Marquês perguntou à filha se era esse o seu desejo.
A moça afirmou com movimento de cabeça.
"Se é vontade dos dois eu abençoo o casal".
Depois desatou a chorar.
A festa de casamento foi tão grande e animada que ainda hoje o povo descendente daquele tempo ainda se lembra.
O casal teve vinte e seis filhos o que naquela época era sinal de grande felicidade.
O Marquês, que era viúvo, ajudou a cuidar dos netos e contava feliz para todo mundo o vigor do genro.
Jajão Bigorna, aproveitando os novos cargos eleitorais proporcionados pela República candidatou-se, elegeu-se, foi acusado de negociatas e no final inocentado.
O povo continua a ouvir mentiras e a acreditar nelas.
Gabriel Garanhão, indagado pela esposa por que mentira ao povo diante da forca, respondia:
"Se eu tivesse dito a verdade, de que encontrei o anel de diamantes enroscado num lambari, agora eu estaria morto. O povo gosta é de romance de amor."
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A história é antiga,
mas as borboletas são novas.
Obrigado pela leitura.
Pium-TO, maio de 2016 + 5
Ufa, cansei !