Conto das terças-feiras - Viajando de trem

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 18 de maio de 2021

Sempre gostei de viajar de trem. Minhas primeiras experiências foram entre Fortaleza e Maracanaú, onde meu avô paterno se refugiava durante as temporadas de calor abrasador em Fortaleza. Aos sábados minha família se deslocava para lá, de trem. Passávamos os fins de semana nessa pequena cidade, bem próxima à Fortaleza, 24 quilômetros da capital cearense. O trem era lento, maria-fumaça, que chegava a espargir fumos, como dizem os portugueses, para dentro dos vagões, mas ninguém se importava com isso. O desconforto vinha dos bancos, que eram de madeira, duros que só pau! As viagens seguintes foram entre Fortaleza e Caucaia, nós descíamos em uma parada antes, para ter acesso à fazenda Jurema, do Doutor José Turíbio de Souza, onde geralmente passávamos nossas férias escolares.

As experiências seguintes foram mais vibrantes, pois viajávamos desacompanhados, isto é, eu já adulto e livre. São Paulo-Rio de Janeiro, Capital-interior, sentindo as mesmas sensações de quando criança.

As viagens de trem mais recentes aconteceram entre Göttingen x Berlim (Alemanha); Göttingen x Zurique (Suíça); Zurique x Milão (Itália) e Milão x Roma.

Estávamos na cidade alemã fazendo um estágio na Universidade-Georg-Auguste, e aproveitávamos os fins de semana para conhecer outras localidades. Havia um sistema de carona na cidade, geralmente oferecido pelos alunos da universidade que, ao se deslocarem para outra cidade, ofereciam transportes a preços módicos, deixando-nos onde desejávamos. Foi assim que chegamos a Berlim. A volta foi de trem, tendo minha esposa ficado para viajar dois dias depois, também de trem. Ficaríamos hospedados em casa de amigos. O problema maior foi o pouco entendimento que tínhamos do idioma, mesmo assim chegamos sem novidades.

Outro momento foi quando estávamos retornando ao Brasil. Com sete malas, encontramos muita dificuldade em colocá-las no nosso vagão. Na Europa é difícil, ou era, alguém viajar com tantas malas. Não havia carregador para ajudar os viajantes naquele local, Bahnhof (estação de trem), mesmo assim conseguimos, mas quase não entrávamos no trem, poucos minutos ele ficava parado na estação, ao colocarmos todas as malas dentro do vagão ouvimos o apito de um funcionário da estação avisando que o trem podia partir. Eu ainda me encontrava do lado de fora, tentando empurrar a minha esposa para dentro do vagão, só conseguindo quando a porta fechou e me jogou sobre ela.

Esbaforidos, procuramos os nossos assentos e nos acomodamos. Na fronteira com a Suíça, o trem demorou um pouco, para a troca da besatzung (tripulação). Daí em diante, até chegar a Zurique, tudo foi normal, só os preços dos lanches que deram uma guinada para cima. Antes tudo era cobrado em Marco, dinheiro alemão na época, e caímos no Franco Suíço, quatro vezes mais forte. Preferimos não comprar nada. Deixamos o trem em Zurique e fomos para um hotel, já passavam das 18 horas. Na estação mesmo, por um painel iluminado contendo nomes e locais de alguns hotéis próximos, fizemos reserva e fomos a pé e empurrando um carrinho com as nossas malas. Pagamos adiantado uma diária.

No dia posterior, depois do café, saímos para um passeio. Antes nos foi perguntado se ficaríamos por mais de um dia, a recepcionista era portuguesa. Dissemos que se não voltássemos na hora de vencer a diária continuaríamos no hotel. Ao voltarmos, nossas malas estavam na recepção, e abertas, do jeito que deixamos. Fomos informados que o hotel estava lotado, a cidade estava cheia de turistas para participar da festa do queijo, então precisávamos procurar outro hotel. Depois de termos discutido bastante, que aquilo não era procedimento, conseguiram uma vaga em um hotel próximo e mais caro. Foi o jeito aceitar.

No outro dia pegamos um trem para Milão, fizemos um site tour, dormimos na casa de uma amiga e fomos para Roma no dia seguinte, onde passamos três dias, sem problemas. Sempre carregando as sete malas viajamos, de trem, para Frankfurt, para pegar um avião de retorno ao Brasil. Metade do aeroporto estava isolado, muitos policiais, extraditavam Ilich Ramírez Sanchez, venezuelano, conhecido como Carlos, o Chacal, um dos mais lendários terroristas da História Contemporânea. Graças a Deus ele não veio no nosso avião, assim, chegamos em paz ao Brasil.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 18/05/2021
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