QUEM FALA O QUE QUER...

SÍLVIA GRANT

Gosto de observar as pessoas, é algo divertido e interessante se você pensar. Tem gente de todo tipo, né? Umas são alegres, otimistas, veem sempre o copo meio cheio. Para elas, tudo vale ser vivido e, dificilmente se abatem com as dificuldades da vida. Outras, ao contrário, parecem ter chupado limão a vida toda. Estão sempre de cara amarrada, reclamam de tudo, lamentam-se e criam situações constrangedoras ou se metem em confusões. Filha única de uma família de classe média alta, Mariana, apesar de ter tido pais preocupados com seu bem-estar e, de ter recebido uma educação em colégios renomados, estava sempre amarga e insatisfeita. Quando criança, raramente gostava dos presentes que ganhava, desdenhava os amiguinhos e, apesar de não ter sido mimada, comportava-se como tal. Na adolescência, criticava tudo e a todos. Ninguém era suficientemente bom para ela. O garoto mais popular da turma era um chato, a menina mais bonita era uma exibida, as festas de debutante eram ridículas e, assim por diante. Olha, difícil mesmo era encarar Mariana, com toda a sua soberba, mau humor e intolerância. Como consequência desse comportamento insuportável, as pessoas começaram a se afastar dela. Evitavam convidá-la para qualquer evento e, Mariana foi se isolando e descontando suas insatisfações na comida. Aos quinze anos, já estava pesando mais de cem quilos. Maria Luisa, sua mãe, preocupada marcou uma consulta com a Dra. Martha, famosa endocrinologista do Hospital Albert Einstein. Após ferrenha discussão com a filha, levou-a, mas não poderia entrar na sala. Mariana queria total privacidade. Na sala de espera do consultório, impaciente, começou a reclamar com Jerusa, a secretária. – Por que demora tanto? Já estou esperando dez minutos aqui! A secretária pediu-lhe que aguardasse um pouco. Virando os olhos para cima, continuou: - - Não entendo por que a consulta é com hora marcada, já que isso não é respeitado. Jerusa se desculpou e pediu a Mariana que a acompanhasse para a pesagem. Bufando e sob protestos, lá foi ela. – O quê? Essa balança está louca! Esbravejou ela.

CLÉA MAGNANI

Realmente, o comportamento de Mariana não revelava nenhum “excesso de personalidade”, mas sim uma tremenda falta de educação. Sua mãe já havia sido alertada pela diretora do Colégio que ela frequentou desde o prezinho. A cada reunião Maria Luisa ouvia as mesmas reclamações, e saía revoltada com as palavras dos educadores, achando que era perseguição à sua filhinha de “gênio forte”. Confiava que com o tratamento com a endocrinologista e a perda do peso excessivo, tudo se resolveria. Mas não foi bem assim. Depois de destratar Jerusa a secretária da Clínica, ainda ficou reclamando da balança. Ao ser chamada pela Dra. Martha, que a recebeu com um simpático sorriso, Mariana entrou reclamando da balança “doida” e da secretária "incompetente", o que fez com que a médica mudasse totalmente o seu tom para com ela. Durante a consulta, as perguntas eram secas e diretas: - Há quanto tempo você está com esse excesso de peso? – Come o quê durante o dia todo? – Toma bastante água? – Tem noção do estrago que está ocasionando à sua saúde e ao seu futuro? – Tem namorado? - Pretende se casar? Ter filhos? Com esse peso e essa silhueta, você tem praticado esportes? Sabe nadar? Quantas horas de exercícios semanais você faz? – Mariana foi ficando encabulada, pois nem acabava de responder, e já vinha outra pergunta. Levantou-se derrubando a cadeira para trás, saiu do consultório e gritou: - VAMOS EMBORA DESTE LUGAR HORROROSO, MAMÃE!!- dirigindo-se à porta. Maria Luisa, deixou cair a revista que folheava, pensou no preço “salgado” da consulta e, como nunca agira antes, elevando a voz, segurou fortemente pelo braço a filha descontrolada, e apesar de seus protestos, entrou com ela na sala da médica, obrigando-a a pedir desculpas à Dra. Martha imediatamente. Com a atitude inesperada da mãe, que nunca a repreendera por nada; como se houvesse tomado um choque Mariana sentou-se, baixou a cabeça e pediu desculpas. Dra. Martha então com a voz mais calma do mundo continuou a consulta, como se nada houvesse acontecido.

ALBERTO VASCONCELOS

Finda a anamnese, a Dra. Martha disse: - fique só de sutiã e calcinha e deite-se ali que eu preciso lhe examinar. Mariana mandou a mãe sair do consultório. – Não. Sua mãe vai ficar e acompanhar todo o exame. Depois de usar o adipômetro em diversas partes do corpo, apalpar o abdome, medir a pressão arterial, auscultar o tórax e já de volta à escrivaninha, a Dra. Martha falou olhando diretamente nos olhos da adolescente. - Essas manchas e cicatrizes em seu corpo são sinais de automutilação. Eu não vou prescrever nenhum tratamento antes ouvir a opinião de um psiquiatra. Cá está a solicitação. Avise que se trata de urgência médica. E entregando o papel à Maria Luisa, acrescentou: - Quando estiver com o laudo, não precisa marcar a consulta. Eu farei um encaixe para atende-la. No caminho de volta para a casa, Mariana, não deu uma só palavra e, amuada, trancou-se no quarto, aonde permaneceu por dois dias, apesar dos apelos da mãe para que ela viesse fazer as refeições. Mas Mariana não passou fome, porque como a maioria das pessoas que têm vícios, ela mantinha escondidos nos armários vários pacotes de salgadinhos, balas, biscoitos, barras de chocolate e garrafas de refrigerantes. A consulta com o psiquiatra foi marcada, mas Mariana disse que não iria, que ela não era doida para tomar remédio passado por médico incompetente como aquela Martha e que se a mãe insistisse ela fugiria de casa. No colégio, ninguém sequer falou sobre a sua ausência, mas no intervalo entre as aulas, alguém desenhou uma orca no quadro com a legenda – a baleia assassina voltou. Mariana queixou-se na diretoria. Aquilo era bullying e o autor precisava ser punido, mas ninguém soube informar quem foi o autor do desenho e não tinha nada a ver com ela, porque eles estavam estudando os grandes carnívoros, só isso. Depois de uma aula de literatura foi desenhado Sancho Pança, companheiro de Dom Quixote, mas em vez do chapéu de abas largas havia um rabo de cavalo como Mariana gostava de prender os cabelos; depois do debate sobre vida em cortiços, apareceu o Nhonho, (do seriado Chaves da TV) com o suspensório em forma da letra M no peito.

ARISTEU FATAL

Após muitas discussões, brigas, Mariana consentiu em ser consultada pelo psiquiatra. No dia e hora marcados, estavam na sala de espera do médico. Ela e a mãe. Como sempre impaciente, não se conformava em ter que esperar, sendo consulta com hora marcada. O profissional era um jovem médico, formado na USP, e pelo número de diplomas que havia nas paredes do consultório, dava para se aquilatar sua alta referência dentro da especialidade. Entrou sozinha, a pedido dele. Prontamente, ela se simpatizou com ele. Na realidade, nem se pode dizer que foi uma consulta. Foi uma espécie de confessionário. O profissional, ainda moço, mas com todas as láureas obtidas durante seu curso, na residência, e já atuando, ouviu tudo o que desejava saber da cliente. Mas, quando começou a relatar seu parecer, a coisa mudou. Primeiro, que ela agia dessa maneira porque sempre foi uma criança mimada, e que seus pais deveriam tê-la educado, de modo diferente, com mais severidade. Segundo, que ela deveria fazer um tratamento psicológico com um profissional de respeito, capacitado para mudar o seu comportamento pueril. Ela começou a ficar vermelha e explodiu. Levantou-se e deu o mesmo show que havia dado com a Dra. Marta. Saiu do consultório e nem olhou para a mãe, indo diretamente para o carro, no estacionamento. Vindo logo atrás, Dona Luísa, muito nervosa, prometeu interná-la numa clínica, que era aquilo que ela merecia. Por sua vez, Mariana conforme ouviu do psiquiatra, culpou os pais pelo seu gênio e de todos os defeitos. Com o veículo já em movimento, tentou agarrar a mãe, puxando os cabelos dela, dizendo que iria matá-las, o que fez com que o carro ficasse sem controle, ocasionando tremenda colisão com a traseira de um caminhão de lixo, bem na quina que ficava do lado do passageiro, atingindo em cheio Mariana. Socorridas, foram imediatamente encaminhadas para o Einstein, Dona Luísa com pequenos ferimentos e a filha em estado gravíssimo. Salvou-se, mas, ouviu dos pais, que estava deserdada.