O Incapaz

O medo é que o retinha no limiar das decisões. Queria ir mas receava perder-se quando se distraísse. Bem lhe diziam que, não tendo asas, bastaria andar para achar o caminho de volta. Ele, porém, era frágil para caminhadas longas, para imponderáveis, para improvisos arriscados e, portanto, sempre preferiu ficar. Ficou sem saber arriscar, sem ousar, sem tentar sair do mundo acanhado da família. Um dia viu-se preso num corpo adulto e absolutamente sozinho. Perdera os pais, as irmãs casaram e ele ficou atado a um escritório onde o trabalho repetitivo, lhe não exigia nem talento nem rasgo. Ela teve pena e tomou a seu cargo a recuperação do homem. - Arrisca, ninguém pode resolver problemas que não existem ainda, mas é forçado a conseguir solução para eles depois. Sempre que for preciso dirás que podes e que sabes. Depois aprendes depressa ou ficas feio na foto; depois, arranjarás maneira de fazer, de cumprir. Não, não é desonesto, é arriscado. Não é a vida um risco permanente? Gonçalo gostava daquela mulher e soube logo que, ou aceitava os conselhos e poderia sonhar, ou ficava preso e sujeito a que o despedissem num qualquer dia menos bom – Eu e o Gonçalo garantimos esse serviço, disse ela ao director da empresa. E ele ficou calado a sentir o suor cair-lhe da testa.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 12/05/2021
Código do texto: T7254039
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