A Última Barata do Ano
01.01.2019
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Último dia do ano. Correria geral. Todos na rua principal do comércio aqui na praia onde moramos e nós também, atrás de carvão e batatas. Dia tórrido, igual a todos nesse "estertor" de ano findando - um inferno! Já comprara uma mini churrasqueira para nós, feita de tambor de gás de ar condicionado de carros, compacta e prática. Iríamos passar em casa a virada do ano, somente eu e minha mulher. As batatas seriam para a maionese "alemã" que ela faria com os ovos batidos à mão, uma delícia; e o carvão, claro, para uma carne especial que assaria na "churrasquerita". Um corte argentino: "bife de tira", carne "marmorizada", entremeada por veios de gordura, uma delícia também!
Após essa correria, ficamos em casa o resto do dia. Permanecemos largados debaixo do ventilador de teto do quarto, que só espantava o bafo da quentura. De tempos em tempos, entrávamos debaixo do chuveiro gelado, ou melhor, fresco, pois a água estava quente também, pelo aquecimento do sol nas paredes onde passava a tubulação, que ajudava a refrescar um pouco. Não nos enxugávamos, ficávamos com a água no corpo até secar, o que mantinha-nos com um frescor temporário.
Chega a noite com uma leve e fresca brisa nordeste, céu firme, amainando o fulgor do dia sofrido. Colocamos a nossa mesa da ceia final na varanda da casa, junto da pequena assadeira com o carvão em brasa, na qual grelho os bifes que comemos com a maionese - simples e delicioso, nada mais, o nosso último jantar do ano. Sobremesa: romã fruta, mas não guardamos as sementes com diz a tradição. Eram já onze horas e trinta minutos. Faltava pouco!
Subimos ao andar de cima da casa para esperar a queima de fogos que ocorre todos os anos, patrocinado pelo resort do final da praia. Debruçamos no peitoril da enorme janela de vidro com vista panorâmica de toda a praia, então escura - víamos somente as luzes de pequenas fogueiras e celulares ligados como vagalumes, que caminhavam pela duna indo à praia. Aguardávamos.
Contava os minutos olhando a tela do celular: onze e cinquenta -"Faltam dez minutos! "; onze e cinquenta e cinco! -"Faltam cinco minutos". Falava alto pela janela. Na rua ainda caminhavam pessoas em direção à praia para assistir aos fogos.
Ela observava, ao meu lado, a noite e acompanhava o meu contar com um sorriso faceiro e alegre.
Resolvo ir ao banheiro passar fio dental nos dentes - a carne incomodava. Ela me acompanha. Pego uma fita e ela diz à rés da porta:
- O que é aquilo preto ali na parede, é uma barata? - estava sem seus óculos e não conseguia distinguir o que via.
Viro-me do espelho do banheiro e vejo uma baratona, estática, preta, grande e gorda, aguardando a virada do ano também.
-Sim, uma das grandes! - respondo
-Elas vêm voando e entram em casa quando deixamos as janelas abertas! Vou pegar o veneno - replica ela.
- Mas já são 11:57h, faltam três minutos para o ano novo. Não quero passar matando barata! Ela desce as escadas e volta com o cilindro cumprido e colorido do veneno nas mãos.
Eu fixo no visor preto do aparelho: "11:58h, faltam dois minutos! "
- Vou jogar o veneno, mas cadê a danada? - ela fugira por uma fresta do forro de madeira no teto. Olho o celular: "11:59h, caramba! Vou passar o ano com essa barata! " Pego o inseticida e aplico rapidamente ao logo do perímetro de todo o teto e mais no local em que sumira.
- Venha querido, já deu meia noite, venha!
Abraço-a junto ao peitoril do janelão, dou-lhe um beijo de carinho e fogos, gritos, assobios eclodem de todos os lados. Começou o ano novo e os fogos do resort pipocam altos e fortes no céu: um espetáculo de cores e brilhos que ilumina o escuro e quente do firmamento. Linda visão que presenciamos por mais de quinze minutos.
No dia seguinte, cedo, vou ao banheiro e vejo deitada no chão a danada da baratona inerte, em sua posição característica de morta, barriga para cima.
Não conseguiu passar para o ano novo, infelizmente.
Foi a nossa última barata do ano.
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