Toque Divino

29.04.2021

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Abri a porta do freezer logo pela manhã para ver o que faria de almoço naquele dia. É uma ação costumeira, pois a minha função no casal é cuidar da comida, ou seja, sou o cozinheiro, ou tento ser. Não como um chefe de cozinha, longe disso, mas faço o que me é possível e sem grandes invenções, ou melhor, o básico e simples. Minha mulher cuida da manutenção do nosso imóvel, da pequena horta, do jardim e da locação das quitinetes que temos aqui no norte da ilha de Santa Catarina, onde moramos. É a administradora, e faz essa atividade com competência e capricho, muito melhor do que eu. É a divisão das tarefas domésticas, talvez com funções um pouco trocadas, mas está bem assim, pois gosto de cozinhar e ela não.

Havia no congelador um pacote de carne moída e um pote de feijão que fiz. Defini o cardápio somente para mim, pois ela estava na casa da sua filha com a netinha em Porto Alegre:

-Arroz, feijão e carne moída, comida que adorava na minha época de criança – pensei comigo.

No dia em que tinha essa combinação no almoço em casa, ficava alegre e comia duas, três vezes, deliciando-me. Quem fazia, era a querida e inesquecível dona Angelina, uma senhora que morou conosco durante a minha infância e parte da adolescência. Junto com o seu marido, seu Luiz, apelidado de Gigio, fumante inveterado de Mistura Fina e torcedor ferrenho do Palestra Itália, faziam uma dupla e tanto e muito querida. Gostava muito deles e ficaram em casa por mais de dez anos.

Lembro-me dos cheiros do alho e da cebola sendo fritos para o arroz; do feijão cozido na pressão com o seu chiado doméstico e odor delicioso de salsão. E, da carne moída cozendo na panela, liberando aquele aroma inebriante com um leve toque de salsinha. Impregnavam o ar da cozinha. Deliciava-me senti-los e estimulavam o meu apetite, normalmente grande como o de toda criança, deixando-me apreensivo para chegar logo a hora do almoço.

-Hoje vai ter arroz, feijão e carne moída né dona Angelina? – perguntava-lhe animado e com água na boca, já sabendo pelos aromas que infestavam deliciosamente o ambiente.

-Sim Fernandinho, como você gosta – respondia-me com a sua voz mansa e calma mexendo nas panelas no fogão.

-Obaa hoje é o meu dia! – dizia-lhe sorrindo feliz, rondando a cozinha como um gato.

Peguei a carne e a coloquei no micro ondas para descongelar, salpicando-lhe um pouco de molho inglês, deixando-a por cerca de quatro minutos nele. Naquela época não existia comida congelada e micro-ondas, tudo era feito no mesmo dia, tanto no almoço como no jantar. Meu pai, como um bom filho de calabrês, adorava comer, e minha mãe, aculturada por ele, pois era descendente de mãe francesa e pai alemão, cozinhava esplendidamente como uma perfeita “mama” italiana. Suas massas, com o seu famoso molho de tomates com “bracholas”, eram esplêndidas e famosas na “famiglia”. Deliciosas e inesquecíveis!

Coloquei a carne pré-cozida na panela, já com o alho e cebola fritos para o seu cozimento final. Mas, o cheiro que exalava não era como o dos tempos de infância. Faltava aquele toque intuitivo que elas davam à carne, ao feijão e ao arroz, ou melhor, a tudo o que cozinhavam. Um toque divino. O que era de fato para o meu pai, pois o vi várias vezes ajoelhar-se perante a minha mãe com um prato nas mãos de, por exemplo, canelone de ricota, dizer-lhe: está divino! Boas lembranças.

A carne chegou ao ponto e espalhei a salsinha picada sobre ela, o toque final. Lembrei-me que dona Angelina colocava um pouco de cachaça na carne para tirar aquele seu ranço natural, mas eu não tinha essa bebida em casa. Talvez o que a deixava deliciosa e diferenciada.

Experimentei a carne, estava gostosa, mas nada comparado como a da minha lembrança infantil; faltava aquele detalhe. O arroz ficou pronto e o feijão quente.

À mesa, coloquei em um prato fundo primeiro o feijão, depois o arroz e a carne moída com um pouco de batata palha comprada: o meu prato predileto de criança feito por mim, para ser rememorado.

Comecei a comer e estava bom, mas faltando um pouco de sal - hoje é imprescindível se usar pouco. Não estava como daquela época, mas comi dois pratos mesmo assim. Faltava o toque divino delas que tornavam qualquer comida dos deuses. Bons tempos que a memória revive por um simples odor.

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 29/04/2021
Reeditado em 29/04/2021
Código do texto: T7244387
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