O Retrato
Olhando de longe a figura era leve, magra, ondulante. Chegou à porta e parou. – Olá, Pintor, sou a que lhe telefonou por causa do retrato. Depois, sentada já na única poltrona do ateliê, olhava à volta, acertava o ângulo dos óculos, abria e fechava a carteira, rodava os anéis. - Como depreenderá já fui nova e dizem que bonita e o retrato pintado pode ser um regresso. Sei que é difícil. Importa que regresse sem perder nada do que me identifique agora para não correr o risco de dizerem que o retrato é fabuloso mas que não sou eu. Sei que me fiz entender… - Não sei se serei capaz, se para tão importante trabalho terei o necessário talento. Farei esboços, mudarei as poses, tentarei adivinhar como foi na juventude e amadurecerei o rosto até me dizer que basta. E começaram. Demoraram dias alegres de alguns meses. Mais suavidade, mais vincada a testa, menos frisados os lábios e nascia adulta, forte e gentil a velha senhora do modelo. A luz apagava os cabelos brancos mas não os suprimia, havia menos lisas as mãos mas os anéis desviavam os olhos de quem observasse o detalhe. Estava ali uma dama muito bela, muito parecida com a senhora, alguém que trazia no olhar a vida toda, a sabedoria que falta à juventude. – Sou eu vinte anos antes, talvez mais interessante do que fui. Assine mas não coloque data na pintura. Estarei na tela com a idade com que me pensarem. Mais nova mas não muito, velha mas bela ainda.