Conto das terças-feiras – Matrimonio e maternidade
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 27 de abril de 2021
Até o final do século vinte o destino imposto pela sociedade patriarcal, à mulher era o casamento. Para as moças o matrimônio representava um salvo-conduto, a liberdade da autoridade paterna e uma maneira de não ser malvista. Elas eram educadas por mulheres, as mães, para se casar e seguir perpetuando a espécie, como pregoa a religião “crescei-vos e multiplicai-vos”.
Era como pensava a jovem personagem desta história, moradora de uma pequena cidade do interior e de pouca experiência de vida. Suas primas e amigas casaram-se muito cedo, e logo foram morar com seus maridos longe dos pais, livrando-se da educação rígida e às vezes perversa, trabalhando na roça, em casa ou cuidando dos irmãos mais novos, que às vezes eram muitos. Cada prima ou conhecida que se casava aumentava mais ainda a vontade de Josefina seguir o mesmo caminho, ainda em seus quinze anos de idade.
Finalmente seu sonho se realizou e a sorte a recompensou por duas vezes, o casamento e o noivo que morava em uma cidade bem longe da sua. Cumprido os ritos cerimoniais do enlace, o casal, a pedido da esposa, não esperou nem a festa de celebração das bodas, rumaram logo para a cidade natal do cônjuge. Eles quase não se conheciam, pois haviam trocado poucas palavras até a hora do sim. Foi um casamento combinado entre as famílias e o que fora acertado entre elas estaria valendo para todo o sempre. Na cabeça da menina, agora mulher casada, restava-lhe apenas o desejo de ser mãe.
Três anos se passaram e nada do desejado filho vingar, para tristeza da agora Dona Josefina. O marido, percebendo que isso a fazia sofrer comprou-lhe um cachorro para servir de companhia, já que o bondoso esposo passava o dia todo trabalhando. A senhora se apegou em demasia ao animal, que até o tratava como filho, caminha especial e comida idem, roupinha confeccionada por ela mesma. Possuía até banheira para a higiene semanal com direito a perfume e talco. Infelizmente o infortúnio bateu à sua porta. O único veículo que rodava pela cidade, a carrocinha do lixo, ao descer, na velocidade, a ladeira onde morava Dona Josefina, atropelou e matou o Apolo. Inconsolável, não mais quis saber de criar qualquer animal de estimação, iria viver sua eterna sina de “child free”.
Passadas duas semanas da morte de Apolo, a vizinha de Dona Josefina entrou em trabalho de parto. As duas amigas viveram os antecedentes do nascimento de mais uma pessoa no mundo, confeccionando camisinhas, sapatinhos, fraldas, cueiros, camisolas, roupinha de cama, tudo na cor azul, ambas prenunciavam a vinda de um menino. A mãe da criança que iria nascer perguntou para a amiga se ela aceitaria ser madrinha do Ronaldo, o que foi prontamente aceito. Dona Mariza era uma pessoa diabética, pressão alta e o parto seria um pouco arriscado, conforme informou a parteira que estava ali para receber a criança.
Sem saber do paradeiro do marido, Dona Mariza pediu para a amiga, caso acontecesse algo com ela, gostaria que a guarda da criança fosse de responsabilidade daquela que muito a ajudou durante toda a gravidez. Para esse ato pediu que a parteira, senhora de confiança e muito conhecida na cidade, redigisse um termo de responsabilidade, relatando os acontecimentos e o desejo da parturiente. Que esse termo fosse assinado por ela, a amiga e a parteira como testemunha. Infelizmente o que era esperado aconteceu, Dona Mariza faleceu, ficando a criança, o Ronaldo, sob os cuidados de Dona Josefina.
Passaram-se seis anos e o pai do garoto apareceu para levá-lo a morar em São Paulo, junto com ele e a madrasta. Agora, já consciente que o seu destino não era ser mãe, aquietou-se com a ideia e passou a trabalhar costurando roupinhas para crianças pobres. Dois anos depois, longe da obsessão de ter filho, o milagre da gravidez a visitou. Daí em diante foram seis filhos, para a alegria de Dona Josefina e do marido.