Reflexões urbanas

Adentro o ônibus. O homem nervoso me empurra, tentando ocupar um dos bancos dianteiros, reservados.Abruptamente, encontra um assento ao lado da moça.Exaltado com sua pouca educação, penso em lhe dirigir uma agressão.Desisto.

Começo, então, a me deslocar pelo corredor apertado.Busco transpor a roleta e me reclinar num banco vazio.Olho, rapidamente, o entorno.A jovem ao lado do mal-humorado deve ter uns vinte anos.Pequena e compenetrada tem uma criança ao colo.Com mais atenção faço um close na criança.Seu rosto pequeno revela traços reservados aos mongolóides.Por esta razão ela e a mãe ocupam os bancos da frente.

Chocado, vejo o carinho que ela destina à pequena e disforme criatura.Parece embalar um ser perfeito.Plena de atenções esquece o senhor rabugento que viaja impassível a seu lado. Nem percebe os barulhos do trânsito e das engrenagens do coletivo velho e lento.

Reflito. Para as mães todos os filhos são iguais.Deficientes ou perfeitos, um sentimento incondicional preenche o coração materno.Imagens surgem na mente.Penso na moça descobrindo a gravidez.Os primeiros meses de enjôos.A dúvida sobre o sexo do bebê.A ecografia, e a notícia da deformidade.A conversa tensa com o médico. O medo de comunicar à familia.

Quando me dou conta, o ônibus já avançou vários pontos em relação ao meu destino.Procuro a saída e aterriso, suavemente, na calçada.

Percebo, então, ao invés de uma raiva cotidiana pelo atraso e desconforto, um sentimento azul.Blue, como a blusa que uso, como o céu que espera, lá fora, esta mãe e sua criança.Apresso o passo.Algo em mim diz que a realidade vai virar Literatura...